quinta-feira, 25 de dezembro de 2008

Ano novo, vida nova.

Ano novo, vida nova.
Último ano escolar, e primeiro [e único pelos próximos 6 anos, esperançosamente] vestibular.
Como disse o meu primo...
"3º ano? Tem que ter uma dose júnior pra inaugurar, então!", enquanto colocava doses de absinto.
Que haja, sim, a curtição no 3º ano.

Ano novo, vida nova.
Novos relacionamentos, quem sabe.

Ano novo, vida nova.
E por que não visual novo?
A vontade de mudar veio assim, do nada. Inspiração. Daí então, muni-me de câmera e fui em direção ao jardim. Fotografei o céu: preto. Só o negrume, sem nuvens. Sem-graça.
Busquei uma outra com o meu rosto contra a luz e contra o jasmim. Sem sucesso, péssima.
Aí que veio, então, a foto.
Os dois pares de sandálias são uns que eu regularmente uso, dispostos em posições nas quais eu regularmente sento. De mim para eu, em foto, e em metonímia.

Ano novo, vida nova.
Que venha 2009, estou pronto. Mas que Janeiro dure mais que os demais meses.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Os Imortais.

Ah, a grandiosidade dos grandes!
Pena que são aqueles que já foram.
E o que ficou?
Seus feitos, imponentes.
E nós, os que ficamos?
Impotentes.

O que se terá?
não se sabe.
vê-se um futuro
ainda que incerto
ainda que em busca de outros
ainda maiores
capazes de serem o que tantos outros foram:
únicos.

Mente que mente pra gente.

Vá lá, não é a primeira vez que a minha cabeça tenta me iludir. Não digo desilusões amorosas, digo enganar mesmo. Várias foram as vezes onde eu me vi acordando e indo tomar um banho, quando na verdade eu apenas sonhava isso. Artifício para me manter na cama por mais uns instantes? Sempre achei que fosse isso.

Mas agora é novo: processo inverso.

Estava embolando na cama há duas horas já, naquele misto de consciência e ausência dela, entre apitos constantes do meu celular com um lembrete a cada 10 minutos. Eis que eu simplesmente o ignorava, deixava de lado, voltava a dormir.

As condições iam piorando. Quando antes estava com o ar-condicionado ligado, agora meu irmão havia desligado-o, e então me encontrava num forno; janela e portas fechadas. O ventilador, ele nem se importou em ativar. Parecia determinado a me ver acordado.

Não desisti: pedi pra que o ligasse. Ligou. O vento do ventilador era insuficiente, dadas a janela e porta fechadas e, claro, o verão olindense. Mesmo assim, persisti no sono acordado.

Foi aí que aconteceu. Ouvi barulhos. Comecei a distingui-los como sendo... fogos. Muitos! Não eram do ano novo, não eram do Natal. Só podiam ser...

...do listão, oras! Desci correndo. Quem teria passado? Quem teria ficado? Liguei o computador instantaneamente, enquanto gritava "O LISTÃO, O LISTÃO SAIU, SAIU!". Achei ter ouvido o meu irmão dizer "tá doido é?", e por isso duvidei. Perguntei a Dido, a empregada: "ouvisse fogos?". Resposta negativa.

E percebi. Mente que mente pra gente; a minha havia feito aquilo que certamente me faria sair da cama.

Bem, conseguiu.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Bola de cristal mental? 2.

Ainda fiquei por contar os causos dos ônibus. Seguinte: Há um episódio particular e várias ocasiões.

O episódio particular remonta uma situação como as duas anteriores. Lá estava eu almoçando num restaurante próximo ao colégio, na fila do pagamento da conta, esperando só a quitação desta para poder pegar o ônibus e sair em minhas aventuras pelos cursinhos da vida. Eis que, enquanto espero a minha vez, vem aquele mesmo pensamento. Desta vez não como pergunta, mas afirmação:

"O passe-fácil vai acabar."

Repentino, inesperado. Na verdade, foi como ter sido possuído momentaneamente por uma entidade sabe-se lá qual, elevada ao ponto de extrair certezas tão certas.

Nesse caso, no entanto, não houve escolha. Não houve aviso. Foi só confirmação mesmo. Que podia eu fazer com isso? Estava sozinho, sem amigos para pedir dinheiro para a passagem; paguei o almoço com o cartão, e infelizmente tinha a certeza de que o cobrador não aceitaria o Hipercard, nem mesmo se eu fizesse toda a apresentação da propaganda, com direito a "Tcharam!" e tudo.

Dessa vez tomei o ônibus na esperança de estar errado: sem sucesso. A máquina acusou o fim dos créditos, e selou assim a minha passagem de saída do ônibus. Se bem que, mais uma vez, talvez eu tivesse ter dado maior crédito à minha previsão, e não ter esperado um erro da mesma.

-

Os casos segundos dos ônibus são mais implícitos. Não há perguntas ou afirmações que vêm do nada; talvez até seja pura sorte.

Foi assim que eu pensei na primeira vez. Lá ia eu num Piedade/Rio Doce. Para minha infelicidade, todos os assentos encontravam-se ocupados. Ah, mas como valorizo a chance de ir sentado! Tudo bem, é algo que todo mundo espera, mas há preferências: um amigo meu mesmo prefere ir em pé a demorar mais. Eu volto pelo contrário, uma vez que sou grande apreciador das viagens no transporte público, uma vez dados os devidos confortos.
Mas enfim...
O ônibus estava sem assentos livres, sim, mas não havia muitos ali necessitando segurar nas hastes. Sendo assim, havia bastantes lugares para escolher onde pousar os meus dois pés como ponto de apoio. Escolhi um mais ao fundo, perto da porta, do lado esquerdo de todos os que repousavam suas poupanças nas cadeiras naquele típico dia derretedor de Olinda/Recife. Ali fiquei.
Aos poucos, várias outras pessoas iam entrando, mantendo-se assim como eu me mantinha.
Não deu muito tempo, a mulher que estava sentada na cadeira levantou-se para sair. Olhei ao redor: as mesmas pessoas que lá repousavam ali se mantiveram até o momento em que pude desfrutar de tal posição. E lá continuaram então.
Não dei muita bola no momento. "Que sorte em parar justo num lugar onde a pessoa se levantou rápido!", pensei no momento. Afinal, numa rota como a de Piedade/Rio Doce, ir sentado praticamente se torna um pré-requisito.

Mas percebi que essa "sorte" foi aumentando. Em um outro caso, num mesmo Piedade/Rio Doce, só que dessa vez no sentido Piedade - Olinda, acabei por encontrá-lo assim: cheio de gente. Postei-me ao lado de uma outra mulher [o fato de serem ambas mulheres foi coincidência, pelo menos no que eu analisei]. Ao parar no Shopping, poucos foram os que desceram. A mulher foi uma deles. Me colocasse eu em outro ponto, outro oportunista pegava o meu lugar.

Isso se repetia freqüentemente. Uma outra vez, só não sentei porque o meu amigo estava mais próximo do lugar vagado, mas tenho certeza de que só o conseguiu por minha causa.

Seria uma índole? O Universo arrumaria um jeito vagar um lugar para mim?
Seria meu campo energético? As pessoas se sentem repelidas pela energia que eu emano quando estou em pé num ônibus?
Seria meu subconsciente? Ele, ligado com os outros demais subconscientes, conseguisse saber qual daqueles ali no ambiente logo não mais ali estariam, e, diferentemente de subconscientes comuns, mandaria uma mensagem para o cérebro me induzindo a ir ao lugar escolhido?

Ou seria só sorte?

O que fica para ser perguntado também é o intuito de tal previsão. Afinal, pra que raios ela apareceria? Para o mais próvável, ou seja, alertar o ocorrido? Ou será que vai além? Vai ver aparece só para que eu a possa negar achando-a improvável, e então, quando passar a acreditá-la, ou desaparece ou então se torna falsa.

Ah, as dúvidas,
as previsões.

sábado, 13 de dezembro de 2008

E de fim,

fica o sentimento de pessimismo,
de impossibilidade de mudar os homens.

Seria isso que ele queria passar?
Ficam, mais uma vez, somente dúvidas.

Talvez a luta.
Talvez a conformação.


sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

O momento.

O momento era único. Sim, começo mais esse texto falando sobre Capitu. Pegava-me de boca aberta, esboçando olhares de admiração e repetindo "que coisa incrível!" sem qualquer cansaço.

Mas o momento foi, não era. O irmão não hesitou em fazer o que sempre faz: adentrar no quarto e acenter a luz, sem se perguntar o porquê de ela estar apagada.

-Marcio!
A reclamação foi instântanea. Claro!
O desprezo veio em igual velocidade.
-Que é, menino? Qual a diferença? Raiva, como que agir como sempre o fez fosse seu direito.

Qual a diferença?
Analisando pela óptica dele, nenhuma, eu diria.
Mas desde quando sua visão era lei?

Não pôde perceber. Não o julgo incapaz; vai ver apenas não o queria. Se não queria, seria profundamente idiota. Consideremos apenas que não sabia o que não podia perceber, a grandiosidade dos grandes.

Qual a diferença? Toda. São momentos como aquele, interrompido pelo mero propagar de luz, que se mantêm contrariando as leis de decorrência temporal: eternos.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Capitu

Ah, a grandiosidade dos grandes! Assistir à Capitu, minissérie da globo, só re-realça como Machado de Assis é infinito em sua obra, seja no espaço ou temporalmente.

E, claro, não se pode ser esquecido aquele que criou a possibilidade de tal pesca do passado machadiano, que insiste, mesmo sem demonstrar tal insistência, ou melhor, mesmo sem sequer querer, em ser atual. Deve-se dizer que a série está deveras excelente! Mesmo por só se ver um episódio, mantém-se algo que é procurado em tantas várias adaptações audiovisuais de obras-primas literárias: a fidelidade. Sim, pois para este conta-nos apenas a imaginação, além, é claro, da visão para a observação da datilografia. Mas esse último detalhe torna-se desprezível, ainda que essencial, comparado à capacidade de criação da mente humana. O que busco dizer é que traduziu-se o livro em som e imagem de maneira tão literal, admitindo aqui várias interpretações, que a série se torna não só supreendente por manter-se na linha (uma manuntenção que, ainda que seguida à rixa, chega a ser inovadoríssima, abrindo aqui lembranças do finado, se é que as personagens teriam realmente morrido, José Dias), como também uma adaptação para ser lembrada na infinitude da eternidade.

Dane-se a audiência! E, baseando-se nas mesmas velhas e repetidas histórias das "obras" globais, ao se ver projetos inovadores como o em questão, percebe-se que não há na emissora apenas falhos e perdidos.

Que fique aqui registrado nessas breves linhas meu gosto pelo programa, ainda que dure tão pouco em hora e quantidade de episódios. Mas a vida é feita de valores assim: exímios, trazendo consigo felicidade intensa, ainda que breve, como que sugerindo que alegria surgiria apenas para ser aquela de lembrança, ou ainda que vai embora para apenas dizer que a busca pela mesma é constante.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Bola de cristal mental?

Vai ver tenha sido a minha educação televisiva que me fez acreditar nessa idéia, mas acho sinceramente que há capacidades mentais ainda não exploradas. Não baseio o ponto de vista apenas em crença: há episódios que, ao menos para mim, o comprovam.

Primeiramente, o hotel. Lá estava eu, no banheiro, pronto para tomar um banho. Como se sabe, hotéis geralmente têm toalhas próprias para os hóspedes. No entanto, já que minhas estadias não seriam sempre em estabelecimentos que as providenciam, decidi levar uma minha.
Ao entrar no banheiro, jaziam as duas: a do hotel, numa espécie de cabide; e a minha, em minhas costas. Foi quando reparei como ambas eram parecidas: brancas, talvez até um pouco encardidas. O que as diferenciava era a logomarca na do hotel, enquanto a minha não passava do alvo manchado.
É aí que vem o quê de extraordinário: o pensamento.
Não foi algo esperado. Não foi algo voluntário. Repentinamente, como que surgido dos confins infinitos do nada, vem a indagação:
-E se a camareira trocar as duas toalhas?
Aquilo me prendeu por severos segundos. Buscava respostas num intervalo de tempo que aparentava durar mais do que deveria, para uma pergunta que nem precisava de tanto. Devo ter demorado por causa da incredulidade acerca do fato de desconhecer a procedência da indagação. Passado o instante, respondi a mim mesmo: "ora essa! com essa estampa, duvido ela não perceber".
Dito e feito. Ou melhor, pensado e feito. Ao voltar de um longo e frio, ainda que quente para os habitantes locais, dia londrino, constatei que minha toalha, aquela que puxava para um tom levissimamente amarelado, havia desaparecido.
Ah, como não me senti! Primeiramente, inconformado, diria até descrente do ocorrido. Rodei o quarto, e virei cada cantinho atrás dela, sem sucesso. Acabei aceitando: havia feito uma previsão certa. Mas como isso havia acontecido? Por que raios eu tinha previsto isso? Ocorreria de novo? De onde veio essa intuição?
Deixei todos os questionamentos de lado. Fiquei apenas achando o acontecimento engraçado. Fui à recepção do hotel pedir minha toalha de volta. Como seria por demais complicado obtê-la da lavanderia, aceitei ficar com uma das do hotel. Seria um bom souvenir, certamente.

Analisemos agora o segundo ocorrido: O cabeleireiro. Esse até deveras cômico. Pois bem...
Lá vou eu, cortar o cabelo. Até aí, tudo bem. Dois são os donos do local: pai e filho. um mais velho, já nos seus 50. O outro num meio-termo entre 30 e 40. A verdade é que, não por por achar o mais velho incapaz, mas prefiro quando o filho corta. O que acontece era que este estava já com um corte em caminho, e o tempo era escasso; curso de inglês em meia hora. Pois bem, vamos com Roberto.
(Robson e Roberto, os nomes, em ordem crescente de idade. Parece até dupla sertaneja, não?).
Ok. Sentei na cadeira, ele passou o avental (qual seria o nome daquela peça de roupa? enfim) por mim, água com o borrifador e vamos ao corte. Tudo muito bem.
E então, ocorreu novamente: o pensamento. Repentino, vindo de sabe-se lá onde, sabe-se lá o intuito do mesmo:
"Já pensou se ele corta a minha orelha?"
Quais eram as chances? E qual a quantidade de preconceito que havia no comentário? Até onde eu sei, era puramente inocente, mas quem sabe se não havia desconsideração por causa da idade contida inconscientemente?
A resposta foi direta e, mais uma vez, repressiva:
"Que é isso! O cara é um profissional, deve cortar cabelo a mais tempo do que eu tenho de vida, e..."
A resposta foi interrompida. Pelo quê? Ora, por aquilo que, para quem está acompanhando o texto, está esperando; mas para qualquer um que vivesse a situação seria completamente improvável.

Mas pois é. Ele, sim, cortou a minha orelha.
"FILHO DA PUTA!", pensei imediatamente. Na verdade, o ato do corte desencadeou uma corrente de pensamentos incessante. Antes de mais nada, não foi profundo; só a pontinha. "Mas o que ocorreu em seguida?", deve ser uma pergunta a ser feita. O que se esperava, o que eu esperei, na hora do ocorrido, era alguma fala. "Eita, desculpa!" seria algo bom de se dizer, seguido por um "Ainda bem que não foi profundo.", quem sabe. Esse último seria um tanto quanto desegradável de se ouvir, eu provavelmente diria "Que nada, relaxe", mas estaria na verdade pensando em algum palavrão.
Eis que, a tal corrente de pensamentos incessante, foi toda relacionada ao fato de ele não ter demonstrado nenhuma preocupação com o ocorrido. "Talvez não esteja sangrando", pensei, "e por isso ele não falou nada". Decidi verificar, e passei o dedo. Pegajoso. Vermelho. "VIADO DO CARALHO", devo ter pensado algo do tipo. Daí então a cabeça fervilhou com comentários do tipo "ELE NÃO VAI FAZER NADA?!" e outras coisas bastante ofensivas. Na verdade, quando ele viu que eu havia passado o dedo, ele passou algo que não me recordo agora, deve ter sido talco com aquela escovinha de cabeleireiro, tentando esconder o crime. Não sei o que foi pior, ele tentando disfarçar a mutilação ou o fato de eu ter sequer reagido: recusado a pagar, quem sabe, era uma boa pedida. A verdade é que, infelizmente, sou muito passivo a várias coisas às quais eu deveria reagir.
O que se sabe é que o corte rendeu boas piadas. É, realmente, uma boa história para se contar. Da outra vez em que fui cortar o cabelo (não com ele, mas com o filho, felizmente), pessoas verificaram o estado da minha orelha, ou então perguntaram "e aí, tá inteira dessa vez?".
Eu acho que estava muito ocupado xingando o velho gagá com parkinson filhadaputa na hora do ocorrido, mas depois eu comecei a refletir acerca do fato de que, mais uma vez, algo que eu havia apenas considerado se poderia acontecer havia acontecido de fato. A verdade é que eu guardei a experiência exatamente para poder então relatar sobre o caso da previsão. A capacidade estava se tornando cada vez mais real. E perceptível.

Falta ainda o caso do ônibus. Mas que fique para depois; são uma e cinco da manhã, e preciso ir ao médico bem cedo (uma e seis agora) na alvorada (tudo para não repetir 'manhã') seguinte. E realmente espero terminar isso aqui antes de passar a ser uma e sete.

(Consegui.)
(No momento da digitação do 'i' de 'consegui', constato o contrário.)
(Agora sim.)
(Sem constatações divergentes.)

domingo, 30 de novembro de 2008

Fomes dos homens

a fome
é de comer?
é só de comida?
vai ver vai além.
e vai!

fome é escolha?
opção?
ou desejo?
necessidade.
passageira?
constante.

fome de ser feliz,
diz a menina sonhadora.
fome de dinheiro,
diz o investidor mal-ou-bem-sucedido
fome de conhecimento,
diz o menino culturoso.

mas só isso é fome?
então fome é bom!
fome move gente
gente move mundo
mundo movimento
gente querendo mover,
fome gerando, gente esfomeando...

mas só isso não é fome.
fome é mais.
fome remete
à fome de comida
mas não a do desejo, da gula
não a da família com casa e emprego
que passa
em minutos.

gente sente fome
fome enorme
fome que mais parece infinita
infinitamente maligna.

fome tão devoradora
que até sonho devora
trucida,
troglodita.

ter carro?
ter família?
ter casamento?
ter educação?
ter melhora de vida?
sem forças!
mal pensa.

quer é um pão,
sopa no caldeirão,
arroz e feijão.

a fome
é muita;
chega nem a ser só fome
vira fomes
e falta ainda
falta a fome que mais falta
que mal aparece
mas que é mais essencial:

fome de ajuda.
fome
que nao desperte só desejo próprio
que venha assim
como aquela vontade
incontrolável
das entrahas
daquelas que tomam posse
vontade essa
de ajudar.

pois essa fome
fome que sonho devora
fome que desumaniza
fome que mata
essa fome
ninguém deveria sentir.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

palavra

plantou-se uma semente;
sabe-se lá quem foi.
Veio o passarinho do acaso:
germinou.
Ou será que só existia?
só e sempre?
dispensando o indispensável?

Vai saber.
sabia a procedência:
cresceu. E como!
espalhou galhos
como que a alma fosse luz
a mente fosse ar

mas só disso não sobreviveria!
e não sobreviveu. não só.
necessitou ser regada,
adubada:
teve outros.
seja pela demonstração de interesses mesmos
ou pela dominação daquilo que idolatrava
ou melhor,
conhecimento.
Quem poderia dominá-la, afinal?

De onde veio era o mistério
o que se tornaria eram os sonhos
mas o que levou ao seu aparecimento foi claríssimo

viu que mudou,
aos poucos.
Ingadagações não faltaram
a ele o que teria acontecido?
mal sabiam,
aquilo era a mais profunda arte:
a palavra.

sábado, 15 de novembro de 2008

Finalmente.

-Finalmente, é meu! Meu! - o garoto gritava.

De fora, a cena parecia como em um hospício. Mas a mãe entendia.

-O que raios é isso? - alguém de fora apreciava a cena.
-Ah, - suspirou a mãe - é que ele conseguiu.

E realmente conseguira. O escritório era, enfim, apenas dele.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Simplicidade

Inicou ali uma busca incessante,
queria a imensa felicidade:
a via num grande amor.
Quantos mares não desbravaria?
Quantos campos não correria?
Quantos ventos não voaria?
Por quantas brasas não andaria?
Mas espera...

Por quanto tempo agüentaria?
Anos se foram
E o quê?
E nada.
E eis que surge a questão:
por quantas ainda passaria?

Talvez fossem todas:
ficara abalado.
havia solução?
achava que não.

Lembrou-se de comer.
E nessa procura toda
até o estômago esquecera?!
coitado!
tão fraco, tão fraco
sem comida, sem amor,
sem corpo, sem coração
sem energia
só podia fazer coisa simples;
um pãozinho, quem sabe.

Ah, que grande tolo!
tolo homem!
macio a tal ponto
cremoso, então!
como pudera não perceber
que o que o faria mais feliz
do que o pãozinho meio cru com requeijão?

Fome? que nada!
estava era feliz.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A chuva

Gostava mesmo era de apreciar o luar, e era isso que fazia. Mas certa vez chegou um certo cara...

-Muitas, não?

-O quê?
-As estrelas.

-Ah, sim. Muitíssimas!
-Será que já se apagaram?

-...

-Ou vai ver elas nunca realmente existiram.

-...
-Você não é de falar muito, né?
-Desculpe. Só estou desacostumado a estar em companhia por aqui. Meio que é meu ambiente exclusivo, sabe?
-Entendo. Se preferir, posso me retirar...
-Não, fique! Além do mais, a chuva logo cairá, e essa árvore certamente vai nos proteger dela.

-Chuva?

Relampejos repentinos. Logo em seguida, trovões, seguindo a lógica física. E então, a chuva. Fina, se não finíssima. O suficiente para cristalizar o mato, com cada gota.

-Puxa, você é bom.

-Sou meteorologista.

-Mesmo?
-Na verdade, não. Mas não posso mentir quanto ao fato de acompanhar assiduamente o programa do tempo.

-Está explicado.
-No entanto, também não minto quanto ao fato de que não havia visto nada sobre essa chuva. -E como soube de sua chegada?
-Não sei, só a senti chegando.
-Dizem que coisas desse tipo se percebe quando se está chegando a hora da morte...
-Pois acredito que é verdade: não vou dizer que estou nos meus primeiros dias.

-Nos últimos, então?

-Acredito que sim.
-Nossa, me perdoe...
-Relaxe! Estou conformado.

Além da chuva já não tão quase inexistente, pairou também um silêncio absoluto: nem cigarras eram ouvidas.

-Bonitas, não?

-As estrelas?
-Sim.
-Oh, claro. Mas não estou aqui por elas.

-Está pelo quê, então?
-Pela chuva.

-Achei que quisesse se proteger dela.
-Não essa chuva.

Não demorou muito para que chegasse a referida chuva. Como de um instante para o outro, os pingos se engrossaram drasticamente. Apesar do estrondo da água, as gotas caíam como penas; o homem as via como que acariciassem o gramado.
O homem mentira quando alegou a conformação: não estava. Na verdade, estava mesmo era morrendo de medo. Sabe-se lá o que poderia encontrar quando partisse. Não temia pelos que ficavam; temia era a mudança.

-Essa é a chuva de que eu falava.


Levantou-se do gramado. Com passos leves, colocou-se debaixo d'água. Era verdade: a chuva realmente fazia carinho. Fechou os olhos, e sentiu-se como nunca antes na vida: tranqüilo. Morte, o maior dos temores, já não o assustava. Olhou as estrelas: eram realmente lindas.


-Quanto à sua primeira pergunta, meu caro. Sobre as estrelas, se elas já se apagaram. Ora, para mim são eternas. Talvez não na visão, mas desconfio do mundo dos sentidos: o mundo real mesmo é o meu mundo. Vivo nele, e lá não há doença que me tire dele.


Voltou-se para o interlocutor. Ao redor do mesmo, uma luz muito forte emanava. Não lembrava de ele ser tão branco assim.

-Mas veja só! Pelo visto, mandaram alguém especial para me buscar.

-Depois do que você fez por todos, não se poderia esperar menos.


Um jorro branco ofuscou toda a sua visão. Quando reabriu os olhos, tudo o que enxergou foi o gramado se afastando aos poucos. E tudo o que sentiu foi o carinho que a chuva lhe fazia. Esse, mal sabia ele, seria o seu último sentimento.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Tecnologia.

Vagava por páginas de assuntos de Física em seu computador: ondas em cordas tensas, interferência, movimento harmônico simples...

Daí entra o pai no recinto. Mas não está só: além das roupas que traja, encontra-se em suas mãos e braços um enorme monitor de computador LG Flatron 775FT. A cara do velho não era muito boa, claro. Afinal, ele estava carregando um monitor LG Flatron 775FT!

"Que feliz!", muitos pensariam. Mas o garoto não. Estava muito feliz com laptop, aproveitado da mãe, que ela pouco usava. Sabia que colocaria o trambolho no escritório do rapaz, seu recinto, seu santuário, para simplesmente não ocupar espaço no do pai.

-Como é, mais um, painho?!

Mais um? Pois é. Encontravam-se no espaço nada menos do que cinco CPUs, dois drivers de DVD, dois de CD, um teclado, um número indefinido de mouses e três monitores LG Flatron 775FT, contando com o recém-chegado. Se o computador é o símbolo da contemporaneidade, certamente dava para realizar o sonho do ferro-velho pós-moderno próprio.

-Deixa do teu choro, menino! É só até eu arrumar espaço.

Ha! Só poderia ser piada, óbvio! Sabe-se lá há quantos anos o quarto do coroa não via um pano úmido!

O garoto gostava da tecnologia, mas como o seu pai era exagero. Tecnicamente era tecnomania, utilizando termos técnicos de alta técnica. Possuía no mínimo seis aparelhos de DVD e se orgulhava de cada um.

-Olha só, esse aqui serve pra entrada USB; colocar pen-drive, sabe? Além do mais, ele funciona com DVDs de região 2. Esse aqui é bem grande, mas ele grava! Bom pra não perder as novelas... já esse roda blu-ray! Melhor imagem, impossível!
-E esse aqui?
-Ora, esse... ah, tem uma imagem melhor.
-Mas não era a função do tal do blu-ray?
-É, mas esse aqui é só pra DVD...
-?!

Tinha dito que faria uma surpresa ao filho. O menino ficou desconfiado, obviamente. Talvez fosse uma câmera digital antiga: aí sim poderia abrir o negócio de lata-velha.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

quem sabe.

quem sabe não foi pra ser.
te tive,
te larguei.
agora vivo em deus-dará

quem sabe não foi pra ser.
de quando em vez te vejo por aí:
ignoro-te,
na esperança de que você me perceba,
sem sucesso.

quem sabe não foi para ser.
então me encontro em dúvida
teria sido diferente?
corro atrás
em passos curtos:
timidez.

quem sabe não foi pra ser.
a cada dia a distância aumenta
vejo-te ao longe...
não, na verdade não vejo.

quem sabe não foi pra ser.
quem sabe,
quem sabe...
eu não.

domingo, 26 de outubro de 2008

Me descrevo para mim mesmo. Por mim, tudo bem; possuo o hábito de falar sozinho. Essa coisa que chamam de reflexão. Pois eu reflito é com meu outro eu: pois é, possuo várias personalidades adaptáveis. Chamo-o de minha consciência, por assim chamar, duvido que a seja. Se alguém visse isso, perguntaria "por que não confiar a outro alguém?". E eu responderia: "Ora, e quem mais confiável do que eu mesmo?" É só tentar não mentir para si.

Sonho.

Sonhos sempre foram de grande interesse para mim. Gosto de guardá-los como lembrança quando são cômicos; gosto de sonhá-los quando expressam grandes desejos e ânsias improváveis de ocorrerem; e, apesar do que dizem os professores de Biologia, gosto de ver o sentido neles.

Ultimamente são os dois últimos tipos que mais me têm ocorrido. Os sonhos-desejo são uma experiência tão eufórica que os considero melhores do que a realidade; afinal de contas, as chances de se tornarem reais são poucas. Casos como esses me levam a crer que a imaginação talvez seja mais verdadeira do que a "realidade".

Mas o foco aqui são os que possuem, ao fundo, algum significado de fato. Não delírios ou realizações impossíveis, nem os surreais. No útimo cochilo que tive em minha poltrona, sabe-se lá onde ou com quem estava, mas eis que surgem em minha mente algumas frases.

Assim, como que toda a vastidão embutida do meu universo mental fosse uma imensa lousa branca, onde nela estavam escrito citações. Sim, citações, pois lembro-me muito bem de que possuiam aspas.

Pois é. Lembro-me da lousa, de 4 frases exatamente, lembro até de possuírem aspas;

mas sequer tenho idéia de qual seria o conteúdo.

Na verdade, tenho uma leve impressão do que seriam, apenas. Eram como frases de efeito; daquelas que você sente que causariam um impacto grande, sabe? E, ainda mais, que dariam orgulho àquele que as escreveu.

Ah, como me esforcei para obtê-las! Não uma vez formadas; durante sonho, quando surgiram no tal quadro, foi como que repentinamente, da mais completa inexistência. Refiro-me a elas já feitas: recordo-me de lê-las e orgulhar-me, e então pensar para mim mesmo: "preciso copiá-las! duvido que vou me lembrar quando acordar!"

Estranho o fato de quê, mesmo dormindo, tinha consciência de que me encontrava num sonho. Ainda mais: sabia que dele não me recordaria, e que por isso tinha que dar um jeito de anotar as tais sentenças. Até tentei. Achei que o tinha feito, para ser mais exato. Mas estava errado.

A mente que mente. Assim pode ser definida a minha. Geralmente, sua mentira se resume a me colocar como já acordado, quando na verdade ainda ronco na cama. Truque para manter-me no descanso, reconheço a proeza da mesma. Só que dessa vez ela foi além: Fê-me pensar que acordara, como sempre faz, e ainda achar que havia escrito o que deveria.

E então surgem indagações: "ora, como ela foi além, se repetiu o que fazia durante o descanso, ou seja, manteve-te a dormir?". A resposta jaz no motivo: Outrora ela me fazia achar que estava acordado para me manter dormindo, só que no cochilo da poltrona...

Sabe-se lá o motivo. É aí surgem várias perguntas, assaz intrigantes: por que ela quereria me manter em sono? Seria o conteúdo das frases algo que eu não poderia levar do sonho? Por que sonhá-las, então, se só poderia vivê-las em imaginário?

Vai ver a realidade não fosse o lugar delas. Quem sabe devessem ficar aí guardadas, no meu mundo.

Só posso tirar uma conclusão: nesses tempos últimos, meus sonhos tornam-se muito mais fascinantes do que qualquer elemento de minha realidade, a ponto de eu preferir dormir a ficar acordado. Não por fuga, mas por escolha.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Indagação

Certa vez foi indagado o poeta:
-Como fazes?
O perguntado tinha um olhar distante
-O quê?
-Poesia!
A dúvida corroía o perguntante
-Não sei.
Irritado, enfiou-lhe a faca.

O olhar vago permanecia
Como sempre fora, quase não havia emoção.
Decidiu poetizar o momento:
-Agora, em leito de morte
permaneço sereno.
Explico-te, seu moço:
O poeta é espírito
Essência!
E essa facada
em meu bucho enfiada
é de dois gumes:
Mata-me o corpo
Eterniza-me a alma.

O homem então se angustiou
Decidiu se matar:
matou-se.

Sua alma se manteve,
mas não poetizou.

V&F

Vale a falsidade
ou
Fica a verdade?
Interminável valsa de fases!
Na dúvida,
o branco:
Escolher é arriscado.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

about me:

Não sou mais do que humano.
Mas isso não é mais do que magnífico?!

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Bola de cristal mental?

Vai ver tenha sido a minha educação televisiva que me fez acreditar nessa idéia, mas acho sinceramente que há capacidades mentais ainda não exploradas. Não baseio o ponto de vista apenas em crença: há episódios que, ao menos para mim, o comprovam.

Primeiramente, o hotel. Lá estava eu, no banheiro, pronto para tomar um banho. Como se sabe, hotéis geralmente têm toalhas próprias para os hóspedes. No entanto, já que minhas estadias não seriam sempre em estabelecimentos que as providenciam, decidi levar uma minha.
Ao entrar no banheiro, jaziam as duas: a do hotel, numa espécie de cabide; e a minha, em minhas costas. Foi quando reparei como ambas eram parecidas: brancas, talvez até um pouco encardidas. O que as diferenciava era a logomarca na do hotel, enquanto a minha não passava do alvo manchado.
É aí que vem o quê de extraordinário: o pensamento.
Não foi algo esperado. Não foi algo voluntário. Repentinamente, como que surgido dos confins infinitos do nada, vem a indagação:
-E se a camareira trocar as duas toalhas?
Aquilo me prendeu por severos segundos. Buscava respostas num intervalo de tempo que aparentava durar mais do que deveria, para uma pergunta que nem precisava de tanto. Devo ter demorado por causa da incredulidade acerca do fato de desconhecer a procedência da indagação. Passado o instante, respondi a mim mesmo: "ora essa! com essa estampa, duvido ela não perceber".
Dito e feito. Ou melhor, pensado e feito. Ao voltar de um longo e frio, ainda que quente para os habitantes locais, dia londrino, constatei que minha toalha, aquela que puxava para um tom levissimamente amarelado, havia desaparecido.
Ah, como não me senti! Primeiramente, inconformado, diria até descrente do ocorrido. Rodei o quarto, e virei cada cantinho atrás dela, sem sucesso. Acabei aceitando: havia feito uma previsão certa. Mas como isso havia acontecido? Por que raios eu tinha previsto isso? Ocorreria de novo? De onde veio essa intuição?
Deixei todos os questionamentos de lado. Fiquei apenas achando o acontecimento engraçado. Fui à recepção do hotel pedir minha toalha de volta. Como seria por demais complicado obtê-la da lavanderia, aceitei ficar com uma das do hotel. Seria um bom souvenir, certamente.

Analisemos agora o segundo ocorrido: O cabeleireiro. Esse até deveras cômico. Pois bem...
Lá vou eu, cortar o cabelo. Até aí, tudo bem. Dois são os donos do local: pai e filho. um mais velho, já nos seus 50. O outro num meio-termo entre 30 e 40. A verdade é que, não por por achar o mais velho incapaz, mas prefiro quando o filho corta. O que acontece era que este estava já com um corte em caminho, e o tempo era escasso; curso de inglês em meia hora. Pois bem, vamos com Roberto.
(Robson e Roberto, os nomes, em ordem crescente de idade. Parece até dupla sertaneja, não?).
Ok. Sentei na cadeira, ele passou o avental (qual seria o nome daquela peça de roupa? enfim) por mim, água com o borrifador e vamos ao corte. Tudo muito bem.
E então, ocorreu novamente: o pensamento. Repentino, vindo de sabe-se lá onde, sabe-se lá o intuito do mesmo:
"Já pensou se ele corta a minha orelha?"
Quais eram as chances? E qual a quantidade de preconceito que havia no comentário? Até onde eu sei, era puramente inocente, mas quem sabe se não havia desconsideração por causa da idade contida inconscientemente?
A resposta foi direta e, mais uma vez, repressiva:
"Que é isso! O cara é um profissional, deve cortar cabelo a mais tempo do que eu tenho de vida, e..."
A resposta foi interrompida. Pelo quê? Ora, por aquilo que, para quem está acompanhando o texto, está esperando; mas para qualquer um que vivesse a situação seria completamente improvável.

Mas pois é. Ele, sim, cortou a minha orelha.
"FILHO DA PUTA!", pensei imediatamente. Na verdade, o ato do corte desencadeou uma corrente de pensamentos incessante. Antes de mais nada, não foi profundo; só a pontinha. "Mas o que ocorreu em seguida?", deve ser uma pergunta a ser feita. O que se esperava, o que eu esperei, na hora do ocorrido, era alguma fala. "Eita, desculpa!" seria algo bom de se dizer, seguido por um "Ainda bem que não foi profundo.", quem sabe. Esse último seria um tanto quanto desegradável de se ouvir, eu provavelmente diria "Que nada, relaxe", mas estaria na verdade pensando em algum palavrão.
Eis que, a tal corrente de pensamentos incessante, foi toda relacionada ao fato de ele não ter demonstrado nenhuma preocupação com o ocorrido. "Talvez não esteja sangrando", pensei, "e por isso ele não falou nada". Decidi verificar, e passei o dedo. Pegajoso. Vermelho. "VIADO DO CARALHO", devo ter pensado algo do tipo. Daí então a cabeça fervilhou com comentários do tipo "ELE NÃO VAI FAZER NADA?!" e outras coisas bastante ofensivas. Na verdade, quando ele viu que eu havia passado o dedo, ele passou algo que não me recordo agora, deve ter sido talco com aquela escovinha de cabeleireiro, tentando esconder o crime. Não sei o que foi pior, ele tentando disfarçar a mutilação ou o fato de eu ter sequer reagido: recusado a pagar, quem sabe, era uma boa pedida. A verdade é que, infelizmente, sou muito passivo a várias coisas às quais eu deveria reagir.
O que se sabe é que o corte rendeu boas piadas. É, realmente, uma boa história para se contar. Da outra vez em que fui cortar o cabelo (não com ele, mas com o filho, felizmente), pessoas verificaram o estado da minha orelha, ou então perguntaram "e aí, tá inteira dessa vez?".
Eu acho que estava muito ocupado xingando o velho gagá com parkinson filhadaputa na hora do ocorrido, mas depois eu comecei a refletir acerca do fato de que, mais uma vez, algo que eu havia apenas considerado se poderia acontecer havia acontecido de fato. A verdade é que eu guardei a experiência exatamente para poder então relatar sobre o caso da previsão. A capacidade estava se tornando cada vez mais real. E perceptível.

Falta ainda o caso do ônibus. Mas que fique para depois; são uma e cinco da manhã, e preciso ir ao médico bem cedo (uma e seis agora) na alvorada (tudo para não repetir 'manhã') seguinte. E realmente espero terminar isso aqui antes de passar a ser uma e sete.

(Consegui.)
(No momento da digitação do 'i' de 'consegui', constato o contrário.)
(Agora sim.)
(Sem constatações divergentes.)

Causa e conseqüência

Ler no ônibus
Descolamento de retina
Ou seria deslocamento?

No vem-e-vai do boca-a-boca
Troca-troca.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Os tons

Um vulto preto se via.
Tímido, vinha aos poucos, como quem não queria incomodar.
Pedia silêncio
dificilmente, infelizmente
o conseguia.

As diferenças entre cada semana? Poucas:
detalhes do colar,
porções de perna a se mostrar
Sandálias baixas para não incomodar.

Pois eis que entra em cor d'água
verde ou azul
piscina
Que susto!
-Quebra de tradição?
-Não!
Apenas pressa diante do guarda-roupa.

Mas quando assumiu o lilás,
e o novo corte nos grossos fios negros
Ah, que bela imagem!
Pode até negar,
Mas há chances altas na influência do Moderno.

E olhe que o período nem chegou ao fim.
Talvez lavanda nem seja o ápice.
Vindo de Flávia,
E do que ela pode me causar,
espero tudo.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Relatos.

http://www.relatosquaisquer.blogspot.com/

Os tempos são outros. E algumas coisas infelizmente não são mais como deveriam ser.
[destinado ao desenrolar de uma história paralela]

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Risada.

E na paz, ou melhor, na incomum e talvez até um pouco insensata sensação de paz que eu tinha naquela parada de ônibus, surge um grupo. Conversador, sim, mas não tinha focado minha atenção, ainda. Conseguiram-na quando uma das meninas (a mais relevante, na verdade), arremessou uma garrafa de suco vazia contra o muro atrás da parada. Aquilo, como a minha educação ecológica parcialmente autodidata prezava, chocou-me. E como! Infelizmente, choque esse insuficiente para transbordar o interior e exteriorizar-se.

(Como se a indignação pudesse ser medida e, através de tal medição, houvesse um limite a partir do qual o interior não mais suportasse, passando para fora. Ora!, o interior é vastíssimo, digo, infinito! A tal angústia é que tem que se adequar a situações intra ou extracorpóreas.)

Voltemos ao ocorrido. Após o arremesso, a tal menina colocou uma latinha de refrigerante no meio-fio. Achei que apenas o meu olhar fuzilante fosse o bastante para mostrar a ela o quão errada estava. Minto; sabia que de nada adiantaria, mas ainda assim não me arriscaria a falar. Havia uns 6 com ela, sendo dois desses homens mais velhos. Pergunto-me quando surgirá em mim coragem para combater comportamentos tão instintivos...

Vendo-a fisicamente: era um tanto baixinha, gorducha ("fortinha", como diriam os disfarçadores mal-disfarçados), tinha um cabelo comprido e ondulado, preso por um pitó. Trajava um vestido rosa que realçava ainda mais suas já bem visíveis e abundantes curvas. Além disso, tinha um gesso num dos braços, não sei qual dos dois (admito não ser muito bom com os dois lados). Confesso não ter reparado em seus pés, mas deveria usar sandálias.

Psicologicamente, percebia-se grande felicidade e despreocupação. Como se o mundo não fosse mais ninguém além do grupo com que andava. As duas coisas me angustiavam. Principalmente quando ria. Era uma gargalhada aguda, como aquelas de bruxas. E o fazia com freqüência; até demais. Seja o que for, aquela risada me tocava no âmago. Negativamente. Fez-me rezar para que o Rio Doce/Príncipe fosse apenas o meu ônibus, e não o deles.

Ledo engano. Nem o fato de estar o mais distante possível livrou-me os ouvidos.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

O quê?

-Que que ele tem?
-É coisa dele.
-Parece ser problema.
-Pelo contrário! É solução.
-Do jeito que ele tá
? Duvido.
-São dos problemas que nascem as soluções.
-Claro, sem problema não há como haver solução. Mas vamos, diga lá! O que ele tem
?
-Angústia, meu caro.
-Ahá! Sabia que era problema.
-Errado. Angústia é algo necessário em nós.
-Não vejo por quê. Ainda mais nele, com uma cabeça tão segura, tão científica!
-Ah, é aí que está!
-O quê
?
-Sua cabeça é das ciências, mas a sua alma é humana como nenhuma outra.

Conversa.

-Rói, vê só, eu sei que tu passou o dia inteiro preso hoje.
-...
-Mas não vai dar pra te soltar não. Painho passou o dia pintando a vela hoje, e se tu pisar por ela, ele vai ficar muito arretado, sabe?
Já era de se esperar que, quando eu terminasse de falar e de afagá-lo, ele se manifestaria.
-Desculpa, Rói, mas num vai dar. Quando essa regata passar, a gente te solta, tá bom?

E fui-me. Dito e feito: Ouviu-se um uivo pausado, periódico, rouco. Quase um choro. Sua sonoridade irrita alguns, mas a mim só me doeu ainda mais.

É uma pena que cachorros não possam enteder o que falamos.

Etapas.

Nascer
Crescer
Se desenvolver
Morrer

E vêm dizer que o essencial não está nas entrelinhas.

segunda-feira, 22 de setembro de 2008

Mudança.

Sociedade
Sociedad____________e
Socieda____________de
Socied____________ade
Socie____________dade
Soci____________edade
Soc____________iedade
So
____________ciedade
S____________ociedade
____________Sociedade

E assim por diante

sábado, 20 de setembro de 2008

Diálogo.

-Eu quero um sim ou um não.
-A gente já conversou sobre isso.
-Então é não, né?
-Pois é.

Taí um diálogo que custará a deixar a minha cabeça.
Mas, incrivelmente, sem pós-complicações.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Stuff.

Após ver
http://www.youtube.com/watch?v=o2HQ8fcWZB4
e esse aqui,
http://www.youtube.com/watch?v=GA3BLrt5xkk,

sinto, ainda mais, que há esperança.

domingo, 14 de setembro de 2008

Crise.

Falam dos tempos de crise. Dizem que são ruins, péssimos. A vida seria melhor se não os houvesse.

Mas imagina agora a sua vida sem eles. Seria feliz? Não é possível. Não há luz sem o escuro. Não há felicidade sem a tristeza. Por um ser a ausência do outro, é preciso existir ambos.

Às vezes não se sabe saber enxergar adiante, ver o que é que realmente fica de bom durante isso. Mas sempre há uma conseqüência positiva.

Talvez você perca algo. e a tal coisa boa que ficou não seja o bastante.
Mas querer tudo já é demais.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Um leva ao outro.

Tenho uns impulsos estranhíssimos de vez em quando. Por exemplo: toda vez que visito um perfil qualquer de alguém no Orkut, espero logo que ele ou ela tenha acabado o relacionamento no qual estava inserido. Não é que eu tenha interesse na pessoa, apesar de que eu já agourei o relacionamento de uma certa garota (e deu certo, diga-se de passagem), é só, como já disse antes, um impulso. Momentaneamente me pergunto, e no instante seguinte já estou me reprimindo. Imagine só se alguém de quem gosto acaba? Acho que ficaria mal.

Vai ver é algo inconsciente. Vai ver quero todo mundo solteiro, como me encontro. Vai ver sou invejoso.


Que cruel eu sou. E olhe que eu nem tenho vocação pra ser vilão;
mal sei dar risada diabólica.

segunda-feira, 1 de setembro de 2008

Uhm.

Estado de espírito varia de dia em dia,
pena que essa agonia chegou e não variou mais.

Nota:

aprender a passar o que quero pro papel.

domingo, 31 de agosto de 2008

Divisão.

Imagine.

A quantidade de paisagens,
de imagens, de momentos,
de ações, de sons,
de ambientes,
de tudo!
Um mundo inteiro
escolhido por você,

Dentro de 1 giga byte. Quanta informação, cultura e idéias se guarda em um pedacinho de metal e sil
ício!

Agora, leia um livro. E então, feche os olhos. Um mundo se cria em sua frente: Cen
ários reconstituídos, falas, cheiros, descritos com tal perfeição que parecem reais, que são reais.
Todo um universo,
escondido em p
áginas.

Entre o binômio e a letra; o bit e a palavra; o byte e o verso ou a frase.

Meus mundos
divididos entre a tecnologia
e a leitura.

domingo, 24 de agosto de 2008

Sociedade.

Há coisas que realmente tocam você. Textos, livros, músicas, quadros, esculturas, filmes. O mais recente para mim foi o último exemplo. Sociedade dos Poetas Mortos é um filme que eu deveria ter assistido há muito tempo, pois mostra tudo aquilo que venho percebendo ultimamente: a importância da leitura. O que antes era uma pulga atrás da orelha se consagrou depois da exibição. Para citar um professor de História meu, com uma pequena adaptação: "Só a leitura salva". Seja de um livro sobre o passado (como era para o tal professor), seja de algo atual, seja de um poema, seja do que for. É o que nos torna livres, é o que nos faz pensar, é o que move o mundo, é o que muda o mundo.

Faculdade de Literatura, não de Letras, logo em seguida. Dessa vez é em definitivo.

Oh captain, my captain!

sábado, 9 de agosto de 2008

Qual era mesmo?

Às vezes sinto que sou um pouco mais desligado do que o normal. Sei que já é uma característica bastante freqüente, mas devo estar acima da média. A situação de trocar gabaritos de prova completos já deve ter passado pela cabeça de muitos, mas só como hipótese, certo? Pois bem, eu tive o "prazer" de experimentar isso. Pelo menos arranquei um 2,4 em História e 4,6 em Biologia.

Ursos.

Parecia ter acabado o assunto. Na verdade, nem havia assunto por lá. Estavam só os dois amigos, sentados num banco, olhando o movimento do parque. Até que um deles decidiu falar: fixou os olhos num saco que o amigo segurava, cheio de algum tipo de guloseima consistente demais para ser gelatina, mole demais para ser considerado um sólido. Vinha em várias unidades em forma de urso. O outro amigo comia gulosamente.

-Não acha estranho comer isso? - perguntou ao companheiro, que permanecia guloso. Ele parecia apenas estar esperando o bom modo de esvaziar a boca para responder, mas, quando o fez, nada disse. O falante continuou:

-Digo, não é algo muito normal. Olhe só, são ursos! Que tipo de pessoas comem ursos? Talvez nem aqueles esquimós russos. Nem os do Alasca. Nem sequer soa como comida exótica japonesa. Mas o Japão nem deve ter urso, não é? Digo, deve ser mais comum em áreas mais próximas do Círculo Polar Ártico...

O amigo parecia mais interessado, além de comer os ursos, num simpático senhor que aparentava estar enfartando, do outro lado do lago. Aquilo sim era espetáculo.

-...mas o que quero dizer é que é um ato terrível. Digo, para que se fazem isso com formato de bichinhos bonitinhos? Serão comidos! E olha a simbologia, é como se você estivesse comendo um bicho inteiro, sem assar, sem cortar, sem tratar, tem tirar aquelas gordurinhas e nervinhos que são extremamente irritantes quando se mastigam, sabe?

Uma massa de pessoas rodeava o idoso agora. Parecia que alguém estava tentando massagem cardíaca. O amigo até parou de comer para tentar perceber melhor.

-Ok, e imagine só uma coisa: e se os vegetarianos os comem? Digo, não é algo completamente contra a doutrina deles? Ou será que há exceções?

O velhinho havia melhorado milagrosamente. Fim de espetáculo. Agora que perdera o foco, o garoto ouvia uma voz balbuciando algo sobre vegetais. Percebeu ser o seu amigo.

-"Ah, não se pode comer carne, mas bichinhos bonitinhos artificiais não há problema!" Isso deve ser terrível. Imagine só, simbolicamente eles não estão sendo vegetarianos. E dá até pra brincar com o urso, mas ele é comida!

Aquilo já o havia enfezado. Felizmente o saco não havia acabado ainda. Virou-se para o amigo e disse, determinado:

-Fecha o cu, cara.

O outro não falou mais nada. Na verdade, chegou a abrir a boca uma vez para contar sobre como brincar com o urso, comendo suas patas aos poucos e então decapitando-o, outra vez para contra-argumentar, mas fechou-a sem emitir sons.

Ao menos são gostosos, pensou. E se serviu de alguns.

terça-feira, 5 de agosto de 2008

Fase?

Deu-se que a tal fase foi uma decepção. Fazer o quê, nem tudo que se planeja se realiza. Vai ver é por isso que tantas coisas não planejadas se saem tão bem. Mamãe insiste em dizer que pretendia me ter, mesmo eu insistindo que não (Afinal, a partir de novembro, contam-se nove meses até o Carnaval, sacou?), e agora penso que talvez seria melhor o contrário.

A verdade é que descobriram um tal dum artifício que registra momentos melhor do que palavras. Mas veja só, dizem que um só valem mil delas! Que magnífica a tecnologia. Acredito até ser verdade.

Não que não tenha escrito nada durante esse período de quinze dias de ausência. O fiz, e até planejei outros tantos excertos. Só que a maioria foi mais um diário, e não parece ser o tipo de coisa para ser posta aqui. Selecionarei alguns.

De volta com força total. Ao menos planejo.
Digo, espero.

Sentimento.

Tem vezes que você sabe o que sente,
Só que na maior parte do tempo tudo é um furacão.

Que seja assim.

Que graça há na certeza?

sexta-feira, 18 de julho de 2008

Fase.

Esse blog agora passará para uma nova fase. Leiam bem, fase: não é um passo à frente, até porque são precisas várias recuadas para que se possa avançar, e duvido que essa tal fase seja algo mais "evoluído" do que o próposito real desse espaço.

Engraçado como muitas vezes termino por me sentir como uma estrela. Como se Deus e o mundo visitassem esse site todo dia, toda hora. Deve ser o meu complexo de humildade; sim, acredito ter desenvolvido um, após repetitivos comentários sobre notas em provas na escola. Acontece que eu sempre tirei notas acima da média. Até já "levei vacilo" por isso uma vez. Bando de crianças inconseqüentes. Tem seu lado bom, o tal complexo: enquanto outras pessoas parecem se importar com certos fatores de como aparecerão para as outras pessoas, desconhecidas, vale ressaltar, eu sequer penso nisso. Mas deve estar na hora de acabar com isso, pelo menos por aqui. Esse é o meu lugar; feito para mim. E aqui faço o que quiser.

Enfim, acontece que agora, em vez de relatar cenas de minha vida e imaginário (por que não pode meu imaginário ser a minha verdadeira vida?) e minhas opiniões, passarei a descrever as experiências de viagem. Sei que soa como se não houvesse diferença, exceto o ambiente; devo ter me expressado mal.

Acontece que desejo que a viagem seja memorável. E como a minha memória não é lá das melhores, que jeito melhor de guardar o passeio do que escrevê-lo? Não consigo pensar em nenhum outro. Claro, há fotos e vídeos, mas esses não são melhores: são tão bons quanto. E virão no pacote.

E claro, deve vir à cabeça leitora como raios arranjarei tempo para dedicar e meio de acesso ao blog. Calma! Minha irmã possui um laptop, e espero que ela gentilmente o ceda para mim. E devo descansar alguma hora, não? Espero também que haja wi-fi por lá. Estamos falando de "primeiro mundo", oras!

Bom, estejam prontos para encontrar minhas opiniões sobre a França e Londres, além de descrições dos lugares e de sensações, claro. Considero este meu último post em solo brasileiro pelos próximos 15 dias.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Susto.

Vivia cheios de planos mirabolantes. Quantas vezes não amarrou um fio de linha de costura a uma vasilha com água, para molhar um primo? Achava ter criado a engenhoca maravilhosa! Sem falar dos códigos: chamar a cadelinha era o sinal para que o amigo puxasse a corda. E esse era mais uma idéia dele: mandar um de seus textos para a mãe e ver qual seria a reação. Planejou com cuidado: escolheu qual seria e mandou para uma amiga mandá-lo para o email da mãe. Perguntaria à mãe por um texto que continha vários links úteis a ele, pedindo que ela o mandasse. Assim chamaria a atenção dela para o tal texto. No momento em que ela o lesse, estaria ao seu lado.

Na verdade, não esperava nada parecido com o acontecido. No dia seguinte, foi perguntar a ela sobre os tais links úteis. Ela então assumiu uma postura diferente da normal: ficou tímida, encabulada. Manteve-se um tanto quanto encolhida. Parecia uma criança que havia acabado de quebrar algo de valor! Começou a falar devagar, como que para não causar confusão:

-Olhe, era sobre isso que eu queria conversar com você.
-Sobre os links?
-Não, não, não os links. Eu tava querendo falar com você sobre isso, mas fiquei com vergonha, mas... é melhor falar logo de vez, em vez de ficar guardando isso.
-O quê, mainha? - Ele se fez de desentendido.
-Eu abri o meu email, e... tinha um texto. Não era de ninguém conhecido... Aí comecei a ler. Eu fui lendo e... isso era você, meu filho. Tudo que tava ali era você!

Ele tentou se manter sério, mas não conseguiu. Decidiu então entregar o jogo. Falou sobre o que tinha feito. Ela o olhou com uma expressão bastante surpresa, mas logo após aliviou-se como se tivesse tirado um grande peso das costas.

-Ah! Eu não acredito! Tu num sabe como eu fiquei agoniada quando fui ler! Eu achei que tivesse sido engano, sabe? Aí quando terminei de ler, me bateu uma culpa... comecei a pensar "ai meu Deus, eu não deveria ter lido! Com certeza foi engano, foi engano, ele não queria mandar isso pra mim, e agora eu li, aaah!" Eu mostrei pro seu pai, ele constatou que era realmente você. Aí... é isso, filho. Achei que não devesse ter lido, aí fiquei cheia de dedos pra te perguntar!

"Cheia de dedos". Essa expressão chamava bastante a atenção dele. Na verdade, a notara realmente num anúncio publicitário (como são presentes em nossas vidas!) de sandálias, e desde então vinha reparando.

Bom, uma vez dito aquilo, não podia fazer nada além de rir. Abriu um sorrisão envergonhado, se é possível. Jamais esperara causar um susto na mãe. Apesar de que tais reações aperriadas dela eram muito comuns; quantas vezes não o perguntara se tinha algum trauma de infância?! O que realmente queria era que ela se indagasse quem era o tal escritor, e não descobrisse logo de cara. Ela depois disse algo que, dessa vez sim, era de expectativa dele:

-E depois você me diz que não sabe escrever redação, hein!
-Uma coisa é dissertação, mainha. Dissertação não prova que você sabe escrever, é só um molde no qual você tem que se apropriar - parafraseou a tia, professora de Redação.

Depois do ocorrido, foi dar mais uma olhada no texto escrito por ele no computador. Como fora estúpido! Estava todo ele estampado lá, realmente! As definições dadas das pessoas, os locais da casa, tudo denunciava o fato de ser ele. Nunca poderiam não perceber.

Hoje mesmo recebeu uma mensagem de uma amiga:
'Depois do susto, constatei que meu filho é um grande escritor!'

Além de mãe assustada e aperriada, é mãe coruja. Vai ver fosse inevitável ela perceber o autor. Vai ver que não.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Pensamento.

Penso que meus textos vêm melhor quando os coloco em terceira pessoa, apesar de que apenas três desses foram escritos assim.
Penso que passo muito tempo discutindo como devo escrever, em vez de escrever propriamente. Mas não seria essa discussão uma escrita propriamente dita? Lá vem eu com mais discursos metalingüísticos!
Penso que... o que pensava mesmo? Esqueci. É isso! Penso que esqueço. E como esqueço! Numerosas são as listas que espalho pelos cantos da casa, para que não me esqueça de nada. Claro, uma pequena escapadela é inevitável, mas é preciso tentar fazer o melhor.
Penso que escrevo demais. O blog não tem nem um mês e já vejo 20 fragmentos. Ou será que apenas sou enganado pela quantidade? Como se já tivesse sido criado limite de escrita.
Penso que penso demais. Deve ser verdade. A dificuldade antes de dormir me leva a afirmar isso. Tantas idéias que eclodem até que em um momento, sabe-se lá por quê, digo basta e então posso começar a relaxar.
Penso que não me decido sobre as coisas. Uma olhadela pelas linhas acima e percebe-se minha dúvida. Uma simples vasculhada nos excertos aqui postados e vê-se isso também. Vai ver ter certeza das coisas seja impossível. Ou então seja simplesmente monótono e enfadonho. Questionar-se é que movimenta o mundo.

Bom, ao menos penso. Terrível seria se não o fizesse.

Trecho.

-Eu trouxe algo para você de lá.
-Sério?! Cara, eu não trouxe nada pra tu, foi mal...
-Não tem problema.
-Pow, brigada!
-Nada...
...
-Tu ainda sente algo por mim, não é?
-Sabe, muitas vezes quando alguém diz ter feito algo, esse alguém na verdade queria tê-lo feito, mas não o fez. É o meu caso. O que eu mais quero agora é te esquecer! Mas quem disse que consigo? Na verdade, é a segunda coisa que mais quero...
-E qual seria a primeira?
Aproximou-se e beijou-a. Não importava qual seria a reação dela, ele precisava fazer isso. Ela parecia estar num processo de sinapse lenta. Quando os neurônios finalmente transmitiram os impulsos, afastou-se e disse:
-Pára! A gente já falou sobre isso!
-É, eu sei. Só amigos, eu lembro. Mas como pode ser só amigos? Aquela tarde não foi nada, não houve sentimento algum?
-Eu... eu... sei lá! Eu tô muito confusa!
-Você acha que eu tô normal? Tu num sabe o embaraço que tu causou aqui dentro!
Não conseguiu terminar o que tinha para falar. Ela também mais nada disse. Chegou a quase sussurrar uma expressão de dúvida, bem conhecida dele, mas não emitiu qualquer som. Ficaram ali, olhando-se, até ele achar que a estava incomodando, apenas para então voltar a observá-la.

Aquele dia poderia ser considerado um alivio de tensões. Depois dele, cada um seguiu seu caminho: ele procurava outras no intuito de esquecê-la; já ela... sei lá.

Sequer vale título.

Se você perguntar a alguém sobre quais são seus maiores sonhos, há uma boa chance de ir à Europa estar entre eles. Seguindo essa lógica, estaria eu realizando um sonho ao ir viajar? Com certeza! Só que nem me sinto como se o estivesse fazendo. Bom, senti-me mais empolgado com outras viagens mais "simples", assim digamos, como Xingó e Natal. Na verdade, acho que só me empolguei realmente quando chegou o dia. Quer saber? O meu momento de querer escrever esse texto passou. Parece não fazer mais sentido... fico por aqui.

sábado, 12 de julho de 2008

Organização.

-Essa casa só vive desarrumada.

Normal, pensou ele. Com normal, ele quis dizer "ah, essa frase tá no grupo das 'você não pode ter nada inteiro!', 'Meu Deus, parem de brigar!' e 'meu filho, quando você vai aprender a dar descarga?'", ou seja, comumente ditas. Em qualquer outro dia a ignoraria por completo, e continuaria a digitar o que quer que fosse aos seus amigos - sem olhar para a tela do computador, claro. Adorava se gabar de tal proeza -, mas não hoje. Fosse o que tivesse sido, hoje era um daqueles dias onde sua cabeça entrava em curto. Hoje era dia de arrumação.

Vinha de repente, como um impulso. Botava na cabeça que deveria arrumar o que quer fosse (geralmente o escritório), e além da cabeça botava também no seu quadro, na lista de afazeres, junto às matérias do colégio que deveria copiar. De repente, sua mãe abria a porta, e lá estava ele, no chão, espirrando; fazia uma bagunça ainda maior, mas por uma boa causa. Ajudaria a arrumar. Ela já nem argumentava mais - e tinha jeito? Tomou um susto ao abrir, mas só aqueles sustos até habituar-se a situação.
-Quer uma máscara?
Ele fez que sim. Cobrir o nariz com a gola da camisa não era o suficiente. Rinite que é rinite resiste ao algodão macio do tecido.

Quando se pegava imaginando o porquê de tal surto, gostava de pensar num mecanismo, como fazia para tantas outras coisas: havia um limite de vezes que poderia ver toda a bagunça. Uma vez ultrapassado esse limite, tirava uma tarde para fazer tudo voltar ao seu lugar. Uma vez arrumado, o tal bagunçômetro voltava à estaca zero. Procurava manter a ordem o tempo possível, mas inevitavelmente o medidor voltava ao ápice.

Parecia até que se tornava outra pessoa. Começou com coisas pequenas, como as camisas no guarda-roupa. Mas era ambicioso; num curto intervalo passou para a escrivaninha do quarto. O mundo viria a seguir. No entanto, havia um obstáculo: o escritório. Há muito pertencera ao seu pai, que não agüentou a falta de espaço e construiu outro. Nesse momento está a construir mais um. É nessa hora que a Genética se vale: ambos acreditavam carecer de espaço. Só que enquanto um cria o espaço necessitado, o outro toma um pedaço e diz ter posse sobre ele. Poderia dizer que dois terços daqueles metros quadrados deixado de herança prévia eram seus, mas faltava ainda um terço que pertencia ao irmão. Não por muito tempo, em sua cabeça. Confabulava planos com a mãe: com o novo estabelecimento do pai, o consangüíneo migraria para outra área, com certeza. Infelizmente, o irmão era resistente. Mas o garoto sentia que era inevitável sua saída.

O método era simples: separar por assunto e, para cada assunto, a progressão do mesmo. Fizera assim com uns livretos de colégio que tinha, mas não demorou muito para doá-los; eram inúteis. Argumentava que a quantidade de papel armazenada era diretamente proporcional à quantidade de estudo, ou seja, o espaço era imprescendível, se quisesse passar no vestibular. Botando tal prova em questão, a mãe nem interrogava. De fato, com a chegada de ficha dos cursinhos X, Y e Z, foi preciso mais para manter a organização. Verticalizou-se. Admirava pranchetas, calendários, rolos de fitas adesivas (durex, crepe e uma marrom estranha que era muito larga, mas sempre se partia antes de atingir a outra extremidade), fotos, quadros, diplomas, pôsteres, até gorro de Papai Noel para natais futuros; tudo nas paredes. Buscava novos lugares mais convenientes para as coisas, e quando não era possível, tentava empurrá-las para a sala: fora dos limites do escritório não era mais o seu departamento. Fazia-o com cautela, pois poderia ser descoberto.

Aaah, mas como já disse, era ambicioso. Muitas vezes sonhava. Principalmente ao passar pelas tralhas do pai. Achava terrível, mas ao mesmo tempo incrível, a capacidade do seu velho de quebrar o princípio da impenetrabilidade: velas de barco, lemes, mastros, maquetes de trimarãs, circuitos elétricos, lâmpadas minúsculas, várias caixas de utensílios mecânicos empilhadas, livros sobre Delphi, Java, Photoshop, Windows e Linux, tudo num único lugar. Agora entendia a letra da tal banda circense. Mal sabia como
seu painho conseguia manter um armário de ferramentas. Seus olhos só podiam brilhar. Ao ver a cena, a mãe suspirava. Devia temer que o filho acabasse virando dono-de-casa.

sexta-feira, 11 de julho de 2008

E... é isso, cara.

Não tem o que se falar. Ou talvez tenha, afinal de contas, estou aqui, não estou? Bom, sei que tá uma vontade intensa aqui na garganta, praticamente destruída, de falar sobre isso. Bom, vamos lá.

Na verdade, nem pareciam muito empolgados pra ir. Sabe como é, com toda essa complicação de distância e transporte, a pessoa meio que perde a vontade. Mas a tudo se dá um jeito! E num é que se deu?

Poderia vir aqui descrever cada detalhe do show, cena por cena que me vem à memória; poderia ou posso? Bom, certamente os momentos mais marcantes merecem uma marcação escrita, ainda que virtual.

O que se pode dizer mesmo é que Teatro Mágico é uma coisa que dificilmente se é hoje: original. Devo admitir que talvez nem Los Hermanos o seja. Mas em que outro lugar já se viu algo como a/o banda/trupe/circo? Claro, ver os três separadamente é fácil, mas nunca surgiu a idéia de misturar tudo. E algo que pude comprovar agora, é a sua atenção e carinho por todos.

Voltemos ao show. Tirando o fato de que não veio A Primeira Semana, tá tudo ok. Não vou dizer que não fez falta, mas nada que estragasse. Bom, o uso de palavrões é permitido? Só sei que foi foda. E não consigo mais expressar de outro jeito. Cadê aquelas muitas palavras pra explicar? Ah, dane-se. O que foi importante? Eu consegui adivinhar muitas músicas antes de se iniciarem. E a minha voz esvaíu-se com ... . O apoio dado com O Anjo Mais Velho. E a Gabi me abraçou. Por isso, nunca mais tomarei banho. Muitos outros momentos me vêm à cabeça, mas já disse que descrever tudo e qualquer detalhe não seria o objetivo. Mas isso foram só acontecimentos; fatos. O sentimento não está contido nessas palavras. E como contê-lo? Não se pode! Palavras, ainda mais assim, virtuais, nenhuma mostrarão a emoção. A minha capacidade de usá-las a favor de minha expressão não é lá essas coisas. Mas não custa tentar!

Na verdade, o sentimento mais forte em mim ainda vem em ... . A letra, o ritmo, seja o que for, colocam o homem como ele é. Como sempre deveria ser, mas não é porque é muitas outras coisas ao mesmo tempo, que o impedem de ser. Fui claro? Enfim, ... é a variedade. É o tudo! Todas as possibilidades que podem se formar, os sonhos que podem se realizar, é como se cada pessoa tivesse um universo para si, onde lá elas podem ser aquilo que sempre quiseram. É abrir a mente, é ser, é a seressência. A essência!

Agora, peço as mais sinceras desculpas, fãs do Teatro. Sim, incluo-me nesse grupo, então peço desculpas a mim mesmo. Mas eu nunca poderei deixar passar aquele momento em especial, quando todos estavam na emoção de Cidadão de Papelão. De repente, fez-se silêncio da voz de Anitelli, mantendo só o instrumental. O ritmo, a expressão das pessoas era diferente da de muitos outros momentos; mais calma. Mas aí, ele volta sua boca para o microfone.

Ele a abre.
Daí então, toma fôlego.
Prepara a garganta,
E então,
vem o "Olha".
"Olha".
Que soe estúpido, mas agora vejo tal palavra como se fosse o ínicio da seguinte frase: "Olha, Renato, o que fizemos para você."

Pausa.

Não foi necessário o "só". Na verdade, nem foi preciso que ele entoasse um princípio de "s" que fosse. Naquele intervalo milionésimo de segundo, que é mais um instante, eu percebi. Devo dizer que não foram muitos que o fizeram! Só constataram o fato após severos segundos, um universo comparado àquela fração, quando o palhaço passou da segunda palavra. A verdade é que antes mesmo de ele soltar o "só", eu já estava lá na frente, quase entrando no palco, esgoelando feito um louco as palavras seguintes. Minhas pernas tremiam de modo que era impossível fazê-las parar. Achei que fosse a posição mal-equilibrada, mas começo a convencer-me do que disse minha amiga: foi o momento mesmo. Chamem-me de tiete ou o que for, mas nada nesse universo poderá compensar aquele momento. Talvez nem os próprios! Não que seja porque é TM que está cantando, mas foi o desejo que me fora causado ali naquele momento. Ali, mais do que nunca, eu desejei que fossem eles cantando. Na verdade, cheguei a imaginá-los ali, naquela hora. E foi naquele momento que eu senti a saudade cortante, incisiva. A falta que eles faziam. Mas foi também naquele momento em que me veio a esperança da volta, mais forte do que em qualquer outro instante nesse intervalo de mais de um ano.

Aah, Teatro Mágico! Haja sensações que possam ser causadas por vocês. É para momentos como esse show que se vale a pena viver.


[edit]: e depois da observação pertinente de outra amiga, não posso deixar isso de fora. Uma pessoa não é nada só. Os pensamentos dela, ou até mesmo de uma dezena de pessoas, só se tornam algo quando há outros para apoiá-los. Foi assim com o Teatro Mágico. De que seriam suas idéias de arte livre se não fosse o público?! E é assim conosco. Poderia ter Anitelli, a trupe toda, até Gabi! Mas de nada valeria se eu não estivesse com aqueles com quem estive.

quinta-feira, 10 de julho de 2008

Porc en argile.

Estranho mimo, aquele porco!
diria o Parnasiano.
No marrom de sua origem terrena,
do barro catado pela mão
colocam-se os ideais revolucionários.
Taí algo que muitas vezes vi:
a bela união gálico-tupiniquim.

Voltemos a le porc, que é o principal.
Só faltou a ele um detalhe final.
Afinal,
o que é um animal
sem sua cavidade anal?

Amei Pierre por três meses e uns muitos reais
Por enquanto, deixo-o para lá.
mas, caso ouça o tintilar
volto para ele já.

Já se foi dito que o que importa está no interior
e como importa!
Na verdade, a isso foi dado muito valor
o jeito é aceitar
se adaptar
e usar.

domingo, 6 de julho de 2008

O antes e o agora.

Tudo é o momento, o instante, para ser mais exato (exatidão essa causada pelas aulas de Física). O você de agora não é o você de uns dias atrás. De umas horas atrás. De uns segundos atrás!

Não refiro-me apenas ao você aparência, é simplesmente... tudo! O conjunto. Sua cabeça, mais principalmente. Seu jeito de pensar. Quantas vezes me deparei com idéias que tinha há alguns dias que já não mais me pareciam convenientes quando fui repensá-las. E assim, como se saberá se a idéia era boa ou não? Vai ver não seja absoluto: era boa para você naquela hora, mas não é mais agora. E se a idéia for algo que vá afetar outros? Beneficiá-los? Bom, aí você pode apelar pro fato de que você amadureceu, o que logo torna a idéia algo imaturo. Mas vai que você regrediu? Não é só de avanços que vive o homem.

Não é o ponto principal. A verdade é que há vários textos que escrevo agora, mas que só são para serem mostrados daqui a um ano, mais ou menos. Aliás, acabo de me lembrar de que um deles está solto por aí, e precisa ser guardado. Já volto. (Levantar-se da cadeira. Virar-se. Correr. Virar à esquerda. Virar à direita. Começar a subir escadas. Subir de dois em dois degraus. Empurrar a porta. Se despreocupar, ela fecha sozinha. Acender a luz do quarto. Pegar celular. Ir em direção ao outro quarto. Acender a luz. Pegar pedaço de papel. Voltar ao primeiro quarto. Guardar pedaço de papel na gaveta. Reconhecer a letra de um amigo numa folha. Fechar a gaveta. Apagar a luz de um quarto. Apagar a luz do outro. Abrir a porta. Descer a escada de dois em dois degraus. Virar à esquerda. virar à direita. Puxar a cadeira. Sentar. Escrever.) Continuando...

O estalo veio durante uma aula. Estalo mesmo. Ou talvez não. A aula, interessante que era, mas, infelizmente, importante, deve ter causado uma série de pensamentos que havia chegado ao que gerou o provável estalo. Daí então, comecei a copiar o que vinha. Na cabeça, não na aula, vale lembrar.

Bom, achei-o formidável. Na verdade, considerando a ocasião e o meu temperamento mole, quase me emociono. Há ainda muito a ser desenvolvido, mas arranja-se tempo. Só que agora me pergunto se futuramente sentirei-me da mesma maneira, agirei da mesma maneira, a ponto de pensar sobre o excerto o mesmo que pensei outrora. Pelo bem ou pelo mal, mantenho-no guardado. Vai que se precisa?

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Kiwi.

Parecia difícil. Era difícil, na verdade. Bastante difícil. Mas ele persistiu. Kiwi, o pássaro sem asas, utilizou todos os instrumentos necessários e possíveis para ele: corda, pregos, martelo, e o mais importante: força. Mas não qualquer uma; a força que vem lá de dentro, sabe? Depois entende-se melhor. Desceu o precipício cuidadosamente, levando cada uma das árvores. E que árvores! Graúdas, verdes, troncos grossos.

Mas afinal, onde já se viu utilizar árvores num precipício? Kiwi tinha seu propósito. amarrou uma ponta da corda numa árvore fincada lá em cima, descia pela corda, e martelava os pregos na que estava pendurada no precipício. Pregada uma, partia para a outra. Não se cansava; aquela força especial parecia não acabar nunca. Uma, duas, cinco, vinte... em alguns dias, centenas de árvores já estavam lá, firmes, como se tivessem criado raízes. Mas quem as criou foi o pássaro. Ah! Mas o sacrifício havia terminado. Todas elas estavam lá!

Agora, o objetivo final. Admirava de cima do abismo todo o seu esforço. E que esforço! Bom, tinha que se preparar: aquele, certamente, seria o momento mais importante de toda a sua vida. Afinal de contas, todo o seu trabalho havia convergido para aquele instante. Colocou um capacete de vôo. Vôo? Já, já você entende. Preparou-se bem, respirou fundo, tomou distância, pegou velocidade e...

...pulou.

A essa altura, tudo o que se pensa é na loucura feita pelo pássaro. Mas Kiwi poderia ser muitas coisas, mas não era louco. Nascera com um sonho: voar. Infelizmente, sua espécie não permitira. Teve que adaptar-se como pôde, e essa foi a maneira.

Nunca se sentira tão feliz. Sabe aquela força que o mantinha fincando as árvores? Pois é, ela vem lá de dentro. Daquele cantinho que você pensa não existir e só aparece quando você realmente quer. Quando você tem um sonho. E Kiwi o tinha. Toda essa força, depois de tudo o que havia passado, essa força virara alegria. Ele sabia das conseqüências, sabia o que o esperava no fim do passeio. Derramara uma lágrima. Não por causa do que viria no final daquilo tudo, mas simplesmente porque não contera a emoção. Não importava o esforço, não importava a solidão, sequer importava a morte! O sentimento de Kiwi era tão forte que nada o impediria de ser feliz naquele momento; nada o impediria de realizar seu sonho.

terça-feira, 1 de julho de 2008

(In)Decisão.

Sabe aqueles sonhos que fazem sentido, onde meio que parece que você tem total controle sobre ele? Bom, meus sonhos sempre foram sem nexo: matei uma menina com um ioiô, o amigo do meu primo era um alien, beijei uma amiga e fui parar no estômago dela... dessa forma, sempre achei que sonhos "normais" eram coisa de cinema. Até hoje.

Cá estava eu tirando o cochilo na poltrona da minha casa. De repente, entre uma piscada de olho e outra, encontro-me na casa da minha tia. Até aí tudo normal, só que me deparo com Sérgio, o professor de Filosofia e Literatura (bem, não há como não deixar um pouco do sonho sem sentido), com a sua já conhecida camisa da seleção argentina de futebol. Ou vai ver eu não reparei na roupa dele, mas associei logo que estava com a tal camisa. Viagens filósoficas à parte... Ele começou a discutir sobre algo que eu discutira há pouco tempo com a minha mãe, no mundo real (ou não? quem dirá qual é o verdadeiro?), que era a escolha do meu curso na faculdade. Com ela, a discussão havia gerado uma dúvida: após um ano e meio de decisão, eu não sabia se iria fazer Ciência da Computação ou Letras. Depois de um tempo, decidi fazer Ciência primeiro, e então veria o que fazer com Letras.

Mas a dúvida havia sido gerada. E ele sabia disso. Afinal, quem mais especialista do que ele para gerá-las? Começou a contestar a minha decisão, do seu próprio jeito criador de interrogações. Eu falei para ele sobre a decisão que eu havia tomado. Sérgio se irritou, coisa que nunca antes havia acontecido. Eu, no entanto, permaneci seguro do que dizia. Expliquei a ele que primeiro buscaria o meu sustento com as exatas, para então partir para as humanas, o que realmente gosto. Acho que foi aí que terminou. Na verdade, antes disso, ele segurou minha prima (ou foi meu primo?) e começou a balançá-la freneticamente. Como eu disse, algumas coisas não podem mudar.

Encaro a vinda de Sérgio como uma forma de relutância de parte de mim a minha decisão. É como se esse meu lado inconformado socialmente não aceitasse a escolha pela Ciência, e se revoltasse contra isso. Mas veja só, a revolta foi tão grande que conseguiu trazer um pouco de nexo aos meus sonhos! Confesso que prefiro-os estranhos: são mais cômicos. Mas variar um pouco não faz mal. Quanto ao que decidi, a dúvida já foi gerada, não é mesmo? Há ainda um ano para que se "prolifere". Ou não. Ou não?