quarta-feira, 18 de março de 2009

Criando a consciência da incapacidade de leitura.

Há coisas que deveriam ser ensinadas na escola. São muitas, claro, que deveriam substituir outros assuntos estudados por uma razão inimaginável, como os Princípios da Geografia e os ribossomos. Mas esse em mente específico é bem importante: como ler. Certamente haveria disciplinas básicas anteriores, como o alfabeto, interpretação, fábulas e contos de fadas, e aqueles livros do ginásio que sempre falam de sexo, gravidez e AIDS.

Uma vez transportas essas barreiras, viria a arte (arte?) de uma leitura mais... digamos "avançada". Não desmerecendo as outras; cada fase tem sua importância no momento, por mais que se diga depois que foi fácil (apesar de nunca ter sido). Mas enfim, o que proponho para as aulas é... não sei. Na verdade, seria o aluno mais assíduo! Eis que, há pouco tempo, me encontrava numa fase onde achava que os únicos livros que realmente mereciam serem lidos eram os considerados grandes nomes da Literatura. Nunca o fiz externamente, mas ria por dentro ao ver amigos lendo outros livros que não fosse um "Dom Casmurro" ou um "A Hora da Estrela". Tolo, sei. Quebrei a cara ao achar que leria facilmente livros como "Primeiras Estórias" e "Cartas a um jovem poeta".

Mas tudo bem, uma vez percebido que não se pode ler um conto de Guimarães Rosa em 5 minutos (mesmo tendo ele umas 6 páginas), decidi avançar por uma nova tática: leitura balanceada. Era simples: tudo o que eu precisaria fazer era balancear um livro "pesado" com um livro mais "leve". Decidi ter por leveza um... Verissimo, que tal? O pai, não o filho.

Taí mais uma mancada. Nada contra o autor, pelo contrário! Outro cronista como ele por aí não se vê (eu que não vejo, ok, reconheço minha limitação de autores). O problema foi considerá-lo leve. Primeiro que o livro comprado foi "O mundo é bárbaro e o que nós temos a ver com isso", de alto teor político-econômico-social, numa perfeita dose de ironia cruel. Até aí tudo bem, mas o problema é que o que eu buscava era um livro de cabeceira para os minutos pré-sono.

Grande erro! Ler Verissimo me faz, no apagar das luzes, o exato oposto de apagar os infinitos pontos luminosos da minha mente: parece mais uma explosão de fogos de artíficio chineses, daqueles que até desenho de dragão fazem no céu. Isso sem falar na rave de ideias criadas, que por mais explosivas que sejam no momento, contrariam o próprio princípio de rave: apagam-se com algumas horas de criação. Daí crio meu dilema: passar o papel o que o autor me passou para a cabeça ou garantir a noite de sono e, consequentemente, o dia posterior acordado?

Quantas complicações evitadas simplesmente pela existência de aulas não puramente conteudistas nas escolas!

Só que aí vem a dúvida: seriam esses obstáculos necessários para a construção de um melhor escritor?

Talvez não Freud, mas quem sabe Verissimo explica.

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Ps: sim, foi o próprio gorducho gaúcho que desencadeou o texto acima.

5 comentários:

Novo disse...

Autores famosos são superestimados e endeusados, a verdade é que há livros de muita qualidade.
Tolkien era um gênio... Watchmen é uma obra prima das 'graphic novels' e está nas top 100 obras de literatura do Sec. XX da revista Time. Por que achar que Machado de Assis era genial e rir quando se compara a quadrinhos? Nos influenciamos por pensamentos de professores 'Machadetes', esquecendo-se que Dom Casmurro pode se definir apenas como uma obra escrita por um corno paranóico, rudemente falando. Se tal livro fosse escrito pela autora de Crepusculo seria inimaginável ter o reconhecimento que há dentre os intelectuais e os que parecem ser. A verdade é que a formação de opinião está na mão de poucos, e nem sempre deve ser tomada como religião.

Novo disse...

p.s.: Não estou negando a qualidade de Machado de Assis, é apenas uma exemplificação.

Anônimo disse...

A escola ensina coisas desnecessárias em tempos errados. O que aprendemos de verdade é o que a vontade e a curiosidade mandam: só assim nos mobilizamos.

Marina disse...

Não falo nem de Machado; hoje em dia o pessoal fala muito de escritores estrangeiros e esquece os bons brasileiros. Talvez eu seja apenas patriota demais, mas não há escritor que me encante mais pela expressividade do que Machado. De livros leves, eu citaria infanto-juvenis e romances de banca, principalmente os primeiros, que são os meus favoritos. Alguns livros infanto-juvenis de Pedro Bandeira nem são tão levinhos assim.

Quanto a o que aprendemos na escola, acho que "leitura avançada" é um assunto profundo demais. Assim como cálculo avançado ou dermatologia. Acho que seria uma chatice pra quem não gosta de ler, assim como eu acharia um saco ter aula de cálculo.

Prefiro tentar aprender sozinha. Sim, ler é uma arte. Arte é para poucos. Beijos.

Thaís Cavalcanti disse...

Concordo com Marina no último ponto. Se houvesse a "leitura avançada" funcionaria às avessas do objetivo principal. E aí aconteceria de criar uma espécie de "repúdio à leitura" ao aluno que, quando criança, tivera dificuldade em tal matéria. E pra quebrar traumas como esses provenientes da infância, seria duplamente pior no futuro - assim como alunos que não gostam de física, por exemplo, resolverem se adaptar à matéria de uma hora para a outra, sem que lhe venha a vontade para tal.

Esse livro do Veríssimo é ótimo! E longe de ser levinho. Foi esse mesmo que, dentre os tempos em que minha vida era mais ociosa, li-o até em torno da página 70, acho (que parte para outro capítulo de crônicas que falam da... China? não lembro, algo assim...)
E confesso que o gorducho me rende uma inveja não só literária, mas que expande em qualquer área - seu teor crítico é justificado por seu conhecimento nas mais diversas áreas, já reparou?
E acho que essa inveja chega a ser até de um pequeno incentivo para a escola, e no que mais pudermos estuprar intelectualmente.

Textos literários podem ser lindos e bem-feitos, mas só textos engajados podem mexer diretamente no café-com-leite das pessoas.