domingo, 25 de janeiro de 2009

Quando ela sumiu - Parte 2

Foi em busca. Mas para onde? Custava saber onde a Lua se escondia. Fez a única coisa que podia fazer: andou. Olhos nos cantos. Tudo permanecia negro. Vendo que não estava pelos arredores, não deu outro jeito; pegou sua bicicleta em casa e partiu em jornada.

-Cê volta, meu filho?
-Volto, não sei quando.

Preocupação. A mãe não aguentaria, mas teve que aguentar. Saiu da cidade. Pelas casas, só se viam pessoas assustadas, incógnitas expressas em seus rostos. Como todo homem deveria ser, mas não era, saiu perguntando. A maioria era incapaz de dar uma resposta concreta. Abriam a boca, mas nada saía dela. Estavam atônitos.

A noite se rendia ao dia. Zé Ninguém se rendeu ao cansaço e parou numa pousada. Mas só foi dormir depois do dia amanhecer, temendo, quem sabe, que a outra vítima fosse o Sol. Nada feito, a estrela ainda voltou na sua missão de luz. A surpresa, no entanto, veio ao longo do dia. Os mais atentos perceberam uma variação no movimento solar: o dia era, de fato, todo dele agora. A meia-noite virara um outro meio-dia, e as seis horas da tarde era tanto um pôr-do-sol como um nascer do mesmo. O Sol fazia hora extra para suprir a falta da Lua. Como ficava o outro lado do mundo, só os chineses sabem. Vai ver o astro-rei viera ajudar aquele que colocou-se de corpo e tão inteiramente de alma na missão de resgatar a Lua. Zé Ninguém gostava de pensar assim.

Os dias passavam. Mas o aventureiro não era tolo: sabia por onde procurar. Entrou em becos aparentemente desertos, para então descobrir a existência de ocultos que sabiam por onde levá-lo. Diziam eles que a Lua havia vindo como estrela cadente, movendo-se tão rápido que só os mais atentos não fizeram um desejo, vendo que, naquele tamanho todo, estava próximo, se sendo estrela brilharia até a cegueira.

Vinha a sucessão. Um homem de aparência mafiosa o orientara a perguntar a um outro homem de aparência também mafiosa, mas dessa vez careca, que seria encontrado numa cidade vizinha. Esse, por sua vez, dissera que quem relamente sabia de algo era uma galega insinuada, mas era preciso haver cuidado pois ela mentia bastante. A galega, depois de devidamente cuidada para que não mentisse, mandou-o para um homem cujo bigode era de um alvo brilhantíssimo. E assim Zé Ninguém passava pelas pessoas com detalhes que as definiam. Em alguns momentos ele passou por várias enrascadas, sendo confundido com outros ou então simplesmente por desapoio ao rapaz. Mas no fim de cada situação notavam que havia algo de diferente nele, só não sabiam dizer o quê. Notando isso, mandavam-no em frente.

Passou pelos mais diversos lugares. A bicicleta deu lugar a inclusive passagens de avião, recebidas em apostas de jogos bem jogados. Zé Ninguém soube se virar ao longo de sua jornada, mesmo sem ter qualquer experiência prévia. Vai ver estava no sangue. Vai ver estava naquilo que era diferente dele, mas as pessoas não sabiam dizer o quê.

Chegou, então, a alguém de maior importância. A garota dos olhos extremamente azuis. Filha de um homem poderosíssimo, clamava saber a localização da Lua, mas ser incapaz de dizer. Até, no entanto, ver Zé Ninguém. Dizem os presentes no momento que ela chorou ao vê-lo. Não de tristeza, mas da mais pura explosão de felicidade. E ela, ao contrário das demais, foi capaz de dizer não só onde estava a Lua, mas também o que era isso que estava tão diferente nele, mas as pessoas não sabiam dizer o quê: determinação. Sua persistência, sua força de vontade eram tão intensas, e tão puras, que, assim ela colocava, as pessoas eram capazes de senti-la, e até mesmo de cativá-la!

Disse onde ela estava. E, ao desejar a Zé Ninguém boa sorte, sentiu que o fazia de todo o coração.

Agora sabia onde achar a Lua. E seguiu até lá.

sábado, 24 de janeiro de 2009

Quando ela sumiu - Parte 1

O que se via ao longe era o campo de cana-de-açúcar e o céu alaranjado ao fundo. Pôr-do-sol. Esplendorosa visão! Ouviam-se pássaros; os poucos que ainda ousavam cantar com a noite por vir. Só que o sol no momento era mero coadjuvante; prólogo, prévia, teaser. Estava apenas abrindo para a atração principal:

A Lua. Que mais os dois iriam querer ali? Jogavam conversa fora entre um beijo e outro, só na espera. Claro que a cena era inegavelmente belíssima, mas para eles servia só como distração. Aguardavam-na ansiosamente, ainda mais sabendo que seria cheia!

O tempo passava. Saiu laranja, dando lugar a um vago azul puxado para o marinho. Escurecia. Chegou num roxo. Um leve tom avermelhado, ainda que marrom, chegou a manchar o céu. Fora rápido, passou com a nuvem que chegara. O roxo voltara, e logo se ia.

E então enegreceu.

Mas assim, negro? Com Lua? E cheia? Inaceitável!

O azul esperado, daqueles que se acha que já se amanhece quando não passa das sete horas, aquele que se dá com o brilho lunar, não chegou. Passaram-se horas. Nada.

A Lua havia sumido.

Frustração. Mais dele do que dela. A promessa era simples: saia comigo, só para ver a Lua. Mas e cadê ela? A moça se afastou. O rapaz a indagou.

-Sem Lua, nada feito.

Encucou-se. Coçou a cabeça. Esclareceu-se.

-E trazendo-te Lua?
-Aí aceito!

Estava decidido! Ele, Zé Ninguém, de família desimportante, sem grandes feitos, traria a Lua de volta para ter o amor de Maria Mariana Vacumotra! E nada o tiraria de sua jornada.

Nada mesmo. A mãe chamou para o jantar, e quem disse que voltou? O professor ofeceu-lhe bolsa, e nada de regresso! O futuro patrão, então, deu-lhe emprego de bom sustento, mas ele se manteve!

Só tinha cabeça pra Lua mesmo.


sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

?

Quem somos nós realmente?
Mutação ambulante?
Incessante?
Fase de lua?
Roupa do dia?
Vontade de hora?
Impulso de instante?

Somos nós mesmos?
Seríamos os outros?
Seremos quem queremos?
Fomos alguém?
Fomos e não seremos mais?
Seremos mas nunca fomos?

Somos o que queremos?
O que fazemos?
O que sentimos?
Como fazemos?
Como sentimos?
Como queremos?
Tudo?

Nada?
Somos nossa razão?
Somos nosso desejo?
Somos nossos?
Somos?

Será que somos?
Será que sim?
Será que não?
Será que talvez?
Seremos só dúvida?
Se somos?
Se?
?

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Música, windows media player!

O início vem difícil, mas chega. Paciência!

Música. Na verdade, essa é a palavra central do texto; não deveria entrar aqui, no início. Mas tudo bem, comecemos assim.

O fato é que tenho pensado sobre música por agora. Não no geral, nem em relação a eu querer tocar. Mais fácil dizer o que é do que manter-me eliminando alternativas erradas. Me vêm à cabeça músicas que, sabe-se lá motivos, destacam-se para mim quando ouvidas. Tentarei explicá-los.

A primeira aqui não poderia ser outra senão The Scientist - Coldplay. Libertação. Ouvi-a por acaso numa novela há muito tempo, sequer lembro-me qual, talvez O Beijo Do Vampiro. Saí perguntando desesperadamente quem seria o grupo que a cantava, até que o encontrei, junto ao nome. Surgiu aí a minha primeira paixão por uma banda: costumava digitar coldplay no kazaa ou no shareaza e baixava qualquer arquivo de áudio que aparecia. O jeito era esse, uma vez que algo tão útil como a comunidade do orkut Discografias não existia. Mas era bom assim.
A verdade é que The Scientist veio me acompanhando até hoje, já fazendo bem uns cinco ou seis anos. Letra e melodia combinam-se na tentativa de reverter um presente prejudicado, voltando ao passado. É uma música muito forte, ouvi-la sempre me deixa extremamente emocional. Me permite entrar em contato com esse outro lado, sempre que preciso pôr pra fora algum sentimento pesado em excesso. Acho que dá para considerá-la assim: abre a ferida, mas no intuito de liberar o veneno.

Eis que me deparo com Spooky Couch - Albert Hammond Jr. Tudo o que consigo dizer sobre ela é que há um tom de misterioso em tudo. Spooky, como se o sofá de alguma maneira assustasse o observador. Mas a melodia me faz sentir muitas coisas, mas não assustado. Na verdade, admirado. E, no final, esperançoso. A esperança transmitida é tão forte que o meu desejo acaba sendo de que a música não acabe, no medo de que a sensação acabe com ela, o quê, infelizmente, ocorre. Integralmente instrumental, a música segue-se numa progressão feita em ritmo certo, como se, aos poucos, fossem desvendados os tão misteriosos segredos do "sofá".

E aí chegou I've Just Seen A Face. Não a versão dos Beatles, mas a produzida no musical Across The Universe, cantada por Jim Sturgess. Essa traduz nada mais nada menos do que o amor. A verdade é que ouvi-la me trouxe uma sensação nunca antes sentida: arrepios nos cabelos da nuca, descendo então para o resto do corpo. Magnífica sensação! Já li sobre ela em vários livros, mas senti-la é algo único. É música de casal, música para ser cantada sempre que possível para a parceira, mostrando o que ela é capaz de fazer comigo.

Mas mais ou menos na linha há também Outros Sonhos, de Chico Buarque. Utopia: é a palavra que me translata o sentimento de ouvir. E como não poderia ser ela? Tudo descrito em letra mostram coisas que a humanidade vê como objetivo, particularizado no cenário carioca, mas ainda assim universal. Para mim é visto como o poema perfeito, daqueles onde o autor escreve e o vê insuperável, se é que isso é possível, pois a sensação de insuperabilidade impediria de continuar escrevendo.

E, por fim, apesar de eu achar que ainda há outras músicas marcantíssimas, mas ser incapaz de lembrar, fica Battleships - Travis. Apaixonante. Não entendo, mas é essa palavra que surge ao pensar nela, no meu fluxo livre de imaginação. Não é em alguém específico que penso quando a ouço. Nem no fato de existir alguém, qualquer que seja. Diria que é mais... em mim mesmo. Fico embalado em sensações próprias, numa situação de felicidade extrema e transbordante ainda que plena, e mesmo que tudo na letra indique que tal sentimento utópico seja causado por uma pessoa amada. Como se por dentro tudo estivesse a explodir, mas só interiormente. E como se toda essa reação seja desencadeada de fato por um outro alguém, mas que o objeto de meu interesse seja só a reação em si.

E só para não deixar como se não houvesse interesse nenhum pela banda, tenho que falar de Los Hermanos. A verdade é que não consigo encontrar uma música favorita dentre a obra. Não vou dizer que todas são minhas favoritas: algumas me desagradam. Mas a maioria, sim. Diria que a obra deles fica para a vida toda. Não há uma música única. Não que todas sejam iguais; mas, no caso das acimas descritas, uma música aparece mais forte dentre outras. Com as deles, não: todas são fortes demais e aparecem em mesma proporção. Tudo bem que há muitas que se destacam. Mas, não entendo o porquê, escolher uma melhor entre elas é impossível. Não me sinto como se tivesse traindo as demais, e não estou enganando a mim mesmo, realmente não consigo eleger tal posto. Mas que fique registrado o meu interesse maior-mor pelo conjunto.

E outras virão. Que fique aqui a certeza.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Vai ver lá no fundo, bem escondido, intocável, está nós. Nossa essência, nosso ser: imutável.

E pra que mudar? assim a gente fica eterno; sem os outros, sem ninguém.

só a gente mesmo.
Que fiquem as dúvidas, pois as certezas serão jamais completas.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A casa.

Era ali. Na verdade, ainda é, mas por pouco tempo. Os irmãos pararam para olhá-la, de fora, ao longe. Como uma última vista. Quantos anos haviam sido? Não lembravam, mas e daí?
-A gente pode entrar?
Podiam. E entraram. Como se esperava, estava tudo em pó. O do meio não resistiu: pôs-se a espirrar. A mais nova o amparava. Saíram assim, visitando cômodo por cômodo. O mais velho, no entanto, limitou-se à sala. Encarava um ponto fixo na parede acizentada pela poeira, descascada, que outrora era de um amarelo vivíssimo. Sentou-se ali.

Os outros dois saíram explorando. Foram primeiramente ao jardim. Jardim? Não, não; aquilo agora era selva. A grama alta, árvores crescidas sem restrições. A sombra que se tinha debaixo delas nunca havia sido tão fresca. Repousaram ali uns instantes.

O mais velho chamou. Disse para visitar os quartos no andar acima. Foram os três. A do meio apreciava o espaço entre os ladrilhos, acimentados. Recordara o fato de que, sempre que algum líquido era derramado, ele se acumulava por lá, peguento. Caminharam pelo corredor, olhando os quartos dos três de relance, só quando passavam pela porta de cada um. Havia adesivos colados, aos montes. Expressões de identidade.

Havia em todos os lugares a camada de sujeira, densa. Mas não ali. Não no último quarto, não no mais importante deles:
o quarto dos pais. Estava imaculado, como se nada houvesse mudado desde a ida. E não fora; cama, estante, criados-mudos, tapete, lençóis e travesseiros permaneciam ali, intactos. Não arrumados, organizados, mas como haviam sido deixados no dia em que os dois partiram. Nos criados-mudos jaziam fotos. Casamento, nascimento de cada filho, família reunida.

Não conseguiram segurar o choro os mais novos. O mais velho se manteve impassivo, como era desde a partida. As lembranças inundavam, e a saudade mais ainda. Os dois procuraram apoio no maior. Experiência. Abraço.

Deixaram o lugar. Uma última vista, de longe. O do meio viu o irmão como forte: decidiu parar de chorar. A caçula gritou "espera!" e saiu correndo rumo ao quarto novamente. Deixou ali uma mensagem escrita por ela, na esperança de que, quem sabe, os pais leriam. O conteúdo não deve ser comentado; há coisas que devem ser deixadas apenas entre os participam do contexto. Eu como observador não tenho direito de reconhecer o que foi escrito.

A decisão foi tomada pelos três. Faziam-se anos desde a ida dos pais, e desde então o quarto e a casa havia sido mantido como um santuário. Os pedidos de demolição eram inúmeros, mas também ignorados. Mas chega um momento em que se percebe que, por mais que se queira mantê-las próximas, é preciso deixar as pessoas partirem.

O sofrimento de tal decisão também era mútuo, mas o conhecimento do mesmo não era de todos. É verdade que os mais novos expunham suas emoções publicamente, mas o que não sabiam é que o mais velho era o que mais sofria entre eles. Chorava calado um choro baixo, escondido, oculto. Mas forte. A decisão por sua parte foi certamente a mais difícil.

Mantiveram-se longe, e não visitaram o local desde então. Para quê? Certamente haveria indícios de um novo edifício, ou apenas escombros.

A casa não sumiu. Nem se manteve. Na verdade, se multiplicou. Só agora ocupa lugares diferentes. Lugares que nem se comprova a existência. Só existe.
Intocável, sim. Para todos os demais.
Mas tão aconchegante, segura como sempre foi.
E completa.

domingo, 4 de janeiro de 2009

A fuga.

Me peguei lembrando de quando Luma tinha fugido. Faz-se tempo; ela, uma yorkshire pretinha, nem com dois anos, botou na cabeça que seguiria o meu irmão. E seguiu. mas foi assim, sorrateira. Acabou por ninguém conseguir percebê-la: nem ele, nem nós em casa. Quando nos demos conta, foi um estardalhaço. Na verdade não, foi aos poucos. A gradação da suspeita à certeza. Primeiro se procura em lugares prováveis, e depois de não se achar nem nos imporváveis vem a constatação:

É, fugiu. Segue-se então a ampliação da busca: da casa ao bairro. Fomos de carro até a avenida. Era, para nós, o máximo a que ela chegaria; ficava a 5 quarteirões de casa. Depois de buscas a olho, nada feito. Voltamos para casa e preparamos cartazes com fotos dela. Dizíamos que haveria recompensa: mainha estava disposta a pagar 300 reais por ela. Colamos cartazes, saímos perguntando em prédios vizinhos, demos até alguns para o jornaleiro colocar nos jornais...

...nada feito. Voltei pra casa arrasado. Mainha disse para Babi, a outra york, mais velha: "é, você agora vai poder ser rainha sozinha da casa". "Rainha ela sempre foi, mas antes havia uma princesinha", disse eu em minha cabeça. Chorei, escondido. No MSN, minha amiga me xingava; dizia que eu era idiota, foi burrice minha. Vai ver eu na minha fraqueza não pude retrucar, ou era fraco na época mesmo. Os outros que estavam na conversa o fizeram por mim.

Raiou então o outro dia. Acordei cedo, umas oito horas, mesmo tendo ido dormir às cinco. Disse à minha mãe que sairia para colar mais uns cartazes, e fui. Se não me engano, levei Babi junto. Fomos mais adiante, umas três quadras. Colei uns nos postes e então voltei para casa.

Não demorou muito. A ligação deve ter chegado umas duas horas depois. Gabriel, um morador das redondezas, havia achado-a desde ontem, e acolhido. Mainha gritava como nunca. "Gabriel, você é um anjo!", e foi por isso que até hoje me lembro o nome do homem. Ele explicou a história: disse que ela estava atrás de um pneu de um carro, no prédio onde ele morava. A empregada, que estava chegando para trabalhar, viu exatamente o último cartaz que eu colei, num poste próximo ao edifício.

Ao chegarmos lá, foi uma festa. Luma estava toda eufórica; eu e mainha, então... O casal falou que não queria recompensa, mas mainha insistiu em dar um conjunto de banho a eles. Falaram que havia acontecido o mesmo com a mãe de um dos dois, não lembro se de Gabriel ou da mulher, e disse que o havia achado cobrara dinheiro para devolver o cão.

Não sei se já deixei claro aqui antes, mas não acredito em coincidências. A história me lembrou de o quão sortudos fomos. O cartaz poderia ser posto em qualquer lugar. E se tivesse sido colado depois, quem sabe se o viriam? A hora e o local foram exatos.

Ou será que não foi sorte? Vai ver Luma era para ficar com a gente mesmo.
E ficou. Perdura até hoje.