segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

A casa.

Era ali. Na verdade, ainda é, mas por pouco tempo. Os irmãos pararam para olhá-la, de fora, ao longe. Como uma última vista. Quantos anos haviam sido? Não lembravam, mas e daí?
-A gente pode entrar?
Podiam. E entraram. Como se esperava, estava tudo em pó. O do meio não resistiu: pôs-se a espirrar. A mais nova o amparava. Saíram assim, visitando cômodo por cômodo. O mais velho, no entanto, limitou-se à sala. Encarava um ponto fixo na parede acizentada pela poeira, descascada, que outrora era de um amarelo vivíssimo. Sentou-se ali.

Os outros dois saíram explorando. Foram primeiramente ao jardim. Jardim? Não, não; aquilo agora era selva. A grama alta, árvores crescidas sem restrições. A sombra que se tinha debaixo delas nunca havia sido tão fresca. Repousaram ali uns instantes.

O mais velho chamou. Disse para visitar os quartos no andar acima. Foram os três. A do meio apreciava o espaço entre os ladrilhos, acimentados. Recordara o fato de que, sempre que algum líquido era derramado, ele se acumulava por lá, peguento. Caminharam pelo corredor, olhando os quartos dos três de relance, só quando passavam pela porta de cada um. Havia adesivos colados, aos montes. Expressões de identidade.

Havia em todos os lugares a camada de sujeira, densa. Mas não ali. Não no último quarto, não no mais importante deles:
o quarto dos pais. Estava imaculado, como se nada houvesse mudado desde a ida. E não fora; cama, estante, criados-mudos, tapete, lençóis e travesseiros permaneciam ali, intactos. Não arrumados, organizados, mas como haviam sido deixados no dia em que os dois partiram. Nos criados-mudos jaziam fotos. Casamento, nascimento de cada filho, família reunida.

Não conseguiram segurar o choro os mais novos. O mais velho se manteve impassivo, como era desde a partida. As lembranças inundavam, e a saudade mais ainda. Os dois procuraram apoio no maior. Experiência. Abraço.

Deixaram o lugar. Uma última vista, de longe. O do meio viu o irmão como forte: decidiu parar de chorar. A caçula gritou "espera!" e saiu correndo rumo ao quarto novamente. Deixou ali uma mensagem escrita por ela, na esperança de que, quem sabe, os pais leriam. O conteúdo não deve ser comentado; há coisas que devem ser deixadas apenas entre os participam do contexto. Eu como observador não tenho direito de reconhecer o que foi escrito.

A decisão foi tomada pelos três. Faziam-se anos desde a ida dos pais, e desde então o quarto e a casa havia sido mantido como um santuário. Os pedidos de demolição eram inúmeros, mas também ignorados. Mas chega um momento em que se percebe que, por mais que se queira mantê-las próximas, é preciso deixar as pessoas partirem.

O sofrimento de tal decisão também era mútuo, mas o conhecimento do mesmo não era de todos. É verdade que os mais novos expunham suas emoções publicamente, mas o que não sabiam é que o mais velho era o que mais sofria entre eles. Chorava calado um choro baixo, escondido, oculto. Mas forte. A decisão por sua parte foi certamente a mais difícil.

Mantiveram-se longe, e não visitaram o local desde então. Para quê? Certamente haveria indícios de um novo edifício, ou apenas escombros.

A casa não sumiu. Nem se manteve. Na verdade, se multiplicou. Só agora ocupa lugares diferentes. Lugares que nem se comprova a existência. Só existe.
Intocável, sim. Para todos os demais.
Mas tão aconchegante, segura como sempre foi.
E completa.

Um comentário:

Marina disse...

A casa, assim como as lembranças, permanecem na memória. Quer seria de nós sem as nossas lembranças?

Lindo texto e me faria chorar, não estivesse o maior barulho aqui em casa. Lembrei-me da minha antiga casa, que é um prédio hoje. Mas era só uma casa. As pessoas que fizeram as lembranças dela serem eternas ainda estão comigo, criando novas lembranças.

Abraço! Feliz 2009 para você!