quarta-feira, 25 de junho de 2008

Ela.

Sempre havia se considerado diferente. No fundo, era igual a todos, mas não precisava saber disso. Se achava anormal (palavra aqui usada simplesmente no sentido de não ser comum, ao invés do que geralmente se atribui a ela, que é ter algum problema mental), mas com o tempo passou a gostar disso. Via todas as outras pessoas se comportando diferentemente, das mais diversas maneiras. A mais relevante era, ao menos por um bom tempo, o gosto musical. Na verdade, o que era incomum era o seu jeito de pensar mesmo, mas isso se refletia fortemente na música. Depois viu que a diferença majoritária era a conformação com o mundo como ele era. Mas o gosto musical o afetara mais no passado. Ouvia aquilo que todos chamavam de ruim, merda, ou mais comumente, "parado demais pro meu gosto". De fato, o ritmo era um tanto quanto mais lento. Os outros preferiam batidas recicladas em todas as músicas, sanfonas e letras sexualmente "educativas", ou então de urros e solos de guitarras, tudo num volume muito alto. Chegava a ser discriminado, mas nada muito sério.

Perguntava-se freqüentemente por que estava "só". O "só" era atribuído a não achar ninguém parecido com ele, pois muitas pessoas o cercavam. Sentia-se deslocado. Vai ver até tivesse sofrido com isso, não se lembrava ao certo.

E o tempo passou.

Aprendera a se conformar à incomunidade. Aprendera a aceitar como os outros eram, sem levantar comentários, pois estava em minoria e logo não teria força para contra-argumentar. Passou a ver que ele nada seria se não se relacionasse com todos. Bom, algumas diferenças ele não respeitou, mas se esforçou ao máximo para fazê-lo. Tá bem, talvez nem tanto.

Não tenham a impressão errada. Ele não era um ser frio e calculista, cujo objetivo era subir na vida e pisar naqueles que não eram como ele. Simplesmente percebeu que não era necessário relevar certas diferenças, pois elas apenas complicariam seu relacionamento com o mundo.

Pois bem, passado a adaptação, surgiu um momento. Foi quando os encontrou. Eram pessoas. Mas não quaisquer pessoas: pareciam ser tudo aquilo que ele procurava e não encontrava. Pareciam ser como ele: diferentes e, portanto, iguais. Ficou maravilhado. De certa forma, passaram a ser sua nova vida, mas com um pouco de cuidado para não acabar com a "velha" vida, pois sabia que seria algo completamente errado a se fazer (alguns descuidos foram inevitáveis, infelizmente).

Mas a mágica se acabou. Pois é, perdoe essa frase brusca que muda todo o rumo do parágrafo acima, mas assim foi. Não foi uma coisa ruim, não entenda dessa forma! O problema é que ele percebeu que a diferença não era uma só. Ele, como uma grande amiga já havia constatado, era diferente por demais, mas ao mesmo tempo muito igual. Em outras palavras, havia semelhanças em comum entre cada grupo. Devia ser uma habilidade natural, quem sabe: adaptava-se aos ambientes até com uma certa facilidade, ao invés de recusá-lose preferir os antigos.

Bom, devo admitir que boa parte dos parágrafos acima saem da idéia principal da história. Mas foi só para dar uma idéia de como o tal garoto se sentia no meio de tudo. Na verdade, a inspiração surgiu pouco depois de ir ao banheiro. Voltemos ao rumo.

Ela surgiu. Não que ela tivesse renascido das cinzas como uma fênix, apesar de ela fazer isso várias vezes em sua mente, mas é que ela passou a freqüentar a sua vida. Não com abundância: na verdade eram encontros raros, dos quais a maioria era virtual, e uns poucos contados em duas mãos, reais. Sejam quantos forem, foram o bastante.

Achara-a estranha. Não aquela estranheza que amedronta, mas sim uma que incomoda, não a ponto de ser desagradável. Era como se ela realmente existisse, enquanto os outros eram meros devaneios. Na verdade, ficou curioso. Foi como uma criança com uma lupa. Quis analisá-la, descobri-la. E o fez: longos relatos das respectivas vidas foram feitos. Não se cansava de escrevê-los, e muito menos de lê-los. Pelo contrário: escrever exercitava o exercício de ser escritor, coisa que ela fazia bastante, até admirava!

Com o tempo, a curiosidade passou a interesse. O interesse passou a admiração. A admiração, ao amor. Havia se apaixonado. Ela escrevia, ela lia, ela era preguiçosa, ela brincava, ela amava os amigos da maneira incomum que ele amava, ela fazia álbuns de fotos criativos, ela gostava do que ele gostava, ela era simplesmente ela. E isso era o que precisava para amá-la. Nunca quisera admitir o amor. Era fraqueza: até porque tal sentimento só iria piorar a condição. A condição era que ele, amando-a sem saber ou sem admitir, não era correspondido. E passou-se um ano. Sim, pouco tempo. Mas o tempo é muito na adolescência.
Deixara-a de lado. Isso era o que ele pensava: era só ela dar suspeitas de um fim de relacionamento que ele a procurava, apenas para depois ser surpreendido pelo retorno.

Pensava que, se tivesse a chance, se pudesse estar com ela ao menos uma vez, conseguiria-a para sempre. Não é que a chance surgiu? Tudo na sua vida era perfeito. Ele a viu pedir, por meio de indiretas, claro, a sua presença. Era tudo o que desejava. E teve. O encontro com ela foi inesquecível. Lembra-se de todos os momentos tão bem que pode descrevê-los de maneira detalhosa. O nervosismo minutos antes de vê-la, a ansiedade. Ao se encontrarem, ambos disfarçaram os sentimentos ali envolvidos, com piadas sobre estudos, desculpa utilizada para o encontro. Ele a abraçou como se abraçaria uma amiga ao vê-la. Não que não quisesse abraçá-la de maneira diferente, mas estava nervoso e tímido. Mas ela, não: era como se tivesse esperado por aquilo há muito tempo. Ele havia esperado. Foi tão intímo que era como se os dois se conhecessem a anos. Ela se encaixou nele como se os braços do garoto fossem o único lugar onde ela pudesse ser feliz. Pelo menos foi assim que ele se sentiu. Após o longo abraço, que foi um intervalo que durou quase que um dia, visto a quantidade de pensamentos passada pela cabeça, ele procurou os lábios dela. Sem resposta, infelizmente. Mas logo entendeu: ela disse ter vergonha e, ao olhar para o lado, percebeu presença de outros. Perguntou por um lugar mais privado. Ela respondeu. E para lá foram. No começo, ficaram só apreciando o momento. Se olhavam longamente, como se quisessem memorizar os rostos um do outro. Ele constatou que havia muitos pêlos na face dela; não a tornara masculina, simplesmente era incomum e ao mesmo tempo um tanto quanto imperceptível. Mas ele muitas vezes percebia o difícil de se perceber. Seus narizes se encostavam levemente. Era bom demais para ser verdade. Mas era verdade. Ele novamente procurou seus lábios e, dessa vez, fora respondido. Que lábios. Que beijo. Percebeu que nunca quisera beijar alguém como a beijou. E como a beijou. Ele se esforçou ao máximo. Minto. Na verdade, não havia qualquer esforço: era natural, espontâneo. Todo aquele sentimento estava dentro dele por muito tempo, e aquela era a hora para extravazá-lo. Ela, no entanto, mostrava-se mais fechada. Não é que não quisesse, estava apenas indecisa. Tenho medo. É que... sei lá, dizia ela. "Sei lá" era uma parte constante de seu vocabulário quando tentava se expressar. Ela o avisara sobre isso. Foi dessa forma que passaram a tarde: entre beijos e conversas sobre sua vida: não se conheciam tão bem.

Tivera uma tarde com ela, e aquela tarde havia se tornado única para ele. Flutuava com um amor tal. 'Cê tá apaixonado, suas amigas diziam. E ele: tô nada. Mas claro que estava. Tanto estava que não percebera que não haviam tomado qualquer decisão sobre o futuro disso tudo. Para ele, achava que já estava tudo resolvido: iriam devagar, pois ela acabara de sair de um relacionamento, mas depois iriam deixando as coisas mais sérias.

Foi o seu erro. Se é que pode ser considerado um erro. Três dias após, ela veio falar com ele. Vale lembrar que não haviam trocado qualquer palavra nesse intervalo. Ela trazia uma decisão, decisão essa... negativa, para ele. Disse que percebeu que só o via como um amigo. Aquilo o desmoronou, claro. Falava com uma amiga no telefone no momento, e ela percebera sua alteração. O baque foi mais intenso mais tarde. Todos os sonhos feitos haviam acabado.
Alguns dias se passaram desde o ocorrido. Umas duas semanas, provavelmente. No começo, ele superou e disse para tudo se danar, que tinha que começar a ver ela de maneira diferente, como uma amiga. Amiga. Pense numa palavra para doer nessas horas! Mas tentara aceitar o fato. Tentou, e tentou muito, só que sem sucesso.

Ele percebeu o que sempre soube desde que começou a reparar nela, desde que começou a esperar as suas respostas na comunidade que freqüentavam, desde que começou a estranhar quando elas pararam de vir. O que ele percebeu foi que não havia jeito de deixá-la para trás. Como quer que tenha acontecido, ela estava dentro dele. Poderia até tentar buscar outros amores, mas sabia que ela só precisava chamar para que ele fosse. Claro, todas as outras meninas o consideravam um completo imbecil por agir assim. Mas a verdade é que o amor cega as pessoas. Ele sabia que estava cego, mas o que poderia se fazer? E cegueira lá se cura?! Ela estaria com ele para sempre. Por mais que ele quisesse enxergar, não poderia, pois ele amava. E esse amor é único em sua vida.

Talvez esse sentimento acabe. Mas nesse instante, que é eterno, é tão duradouro quando o que eu sinto. Seja devaneio adolescente ou não, é assim que me sinto agora.

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