sexta-feira, 31 de outubro de 2008

A chuva

Gostava mesmo era de apreciar o luar, e era isso que fazia. Mas certa vez chegou um certo cara...

-Muitas, não?

-O quê?
-As estrelas.

-Ah, sim. Muitíssimas!
-Será que já se apagaram?

-...

-Ou vai ver elas nunca realmente existiram.

-...
-Você não é de falar muito, né?
-Desculpe. Só estou desacostumado a estar em companhia por aqui. Meio que é meu ambiente exclusivo, sabe?
-Entendo. Se preferir, posso me retirar...
-Não, fique! Além do mais, a chuva logo cairá, e essa árvore certamente vai nos proteger dela.

-Chuva?

Relampejos repentinos. Logo em seguida, trovões, seguindo a lógica física. E então, a chuva. Fina, se não finíssima. O suficiente para cristalizar o mato, com cada gota.

-Puxa, você é bom.

-Sou meteorologista.

-Mesmo?
-Na verdade, não. Mas não posso mentir quanto ao fato de acompanhar assiduamente o programa do tempo.

-Está explicado.
-No entanto, também não minto quanto ao fato de que não havia visto nada sobre essa chuva. -E como soube de sua chegada?
-Não sei, só a senti chegando.
-Dizem que coisas desse tipo se percebe quando se está chegando a hora da morte...
-Pois acredito que é verdade: não vou dizer que estou nos meus primeiros dias.

-Nos últimos, então?

-Acredito que sim.
-Nossa, me perdoe...
-Relaxe! Estou conformado.

Além da chuva já não tão quase inexistente, pairou também um silêncio absoluto: nem cigarras eram ouvidas.

-Bonitas, não?

-As estrelas?
-Sim.
-Oh, claro. Mas não estou aqui por elas.

-Está pelo quê, então?
-Pela chuva.

-Achei que quisesse se proteger dela.
-Não essa chuva.

Não demorou muito para que chegasse a referida chuva. Como de um instante para o outro, os pingos se engrossaram drasticamente. Apesar do estrondo da água, as gotas caíam como penas; o homem as via como que acariciassem o gramado.
O homem mentira quando alegou a conformação: não estava. Na verdade, estava mesmo era morrendo de medo. Sabe-se lá o que poderia encontrar quando partisse. Não temia pelos que ficavam; temia era a mudança.

-Essa é a chuva de que eu falava.


Levantou-se do gramado. Com passos leves, colocou-se debaixo d'água. Era verdade: a chuva realmente fazia carinho. Fechou os olhos, e sentiu-se como nunca antes na vida: tranqüilo. Morte, o maior dos temores, já não o assustava. Olhou as estrelas: eram realmente lindas.


-Quanto à sua primeira pergunta, meu caro. Sobre as estrelas, se elas já se apagaram. Ora, para mim são eternas. Talvez não na visão, mas desconfio do mundo dos sentidos: o mundo real mesmo é o meu mundo. Vivo nele, e lá não há doença que me tire dele.


Voltou-se para o interlocutor. Ao redor do mesmo, uma luz muito forte emanava. Não lembrava de ele ser tão branco assim.

-Mas veja só! Pelo visto, mandaram alguém especial para me buscar.

-Depois do que você fez por todos, não se poderia esperar menos.


Um jorro branco ofuscou toda a sua visão. Quando reabriu os olhos, tudo o que enxergou foi o gramado se afastando aos poucos. E tudo o que sentiu foi o carinho que a chuva lhe fazia. Esse, mal sabia ele, seria o seu último sentimento.

2 comentários:

Marina disse...

Não há doença no mundo que nos tire do mundo dos sentidos. Gosto de viver lá e vir aqui só uma vez ou outra.

Quanto ao seu girassol, já aconteceu comigo. Certa vez, plantei umas sementes de girassol no jardim e, quando eles nasceram, alguém achou que era mato. Pense na raiva!

Abraço, Frondek!

Camila. (: disse...

Muito bom! \o ;D
:* Pirra