quarta-feira, 16 de julho de 2008

Susto.

Vivia cheios de planos mirabolantes. Quantas vezes não amarrou um fio de linha de costura a uma vasilha com água, para molhar um primo? Achava ter criado a engenhoca maravilhosa! Sem falar dos códigos: chamar a cadelinha era o sinal para que o amigo puxasse a corda. E esse era mais uma idéia dele: mandar um de seus textos para a mãe e ver qual seria a reação. Planejou com cuidado: escolheu qual seria e mandou para uma amiga mandá-lo para o email da mãe. Perguntaria à mãe por um texto que continha vários links úteis a ele, pedindo que ela o mandasse. Assim chamaria a atenção dela para o tal texto. No momento em que ela o lesse, estaria ao seu lado.

Na verdade, não esperava nada parecido com o acontecido. No dia seguinte, foi perguntar a ela sobre os tais links úteis. Ela então assumiu uma postura diferente da normal: ficou tímida, encabulada. Manteve-se um tanto quanto encolhida. Parecia uma criança que havia acabado de quebrar algo de valor! Começou a falar devagar, como que para não causar confusão:

-Olhe, era sobre isso que eu queria conversar com você.
-Sobre os links?
-Não, não, não os links. Eu tava querendo falar com você sobre isso, mas fiquei com vergonha, mas... é melhor falar logo de vez, em vez de ficar guardando isso.
-O quê, mainha? - Ele se fez de desentendido.
-Eu abri o meu email, e... tinha um texto. Não era de ninguém conhecido... Aí comecei a ler. Eu fui lendo e... isso era você, meu filho. Tudo que tava ali era você!

Ele tentou se manter sério, mas não conseguiu. Decidiu então entregar o jogo. Falou sobre o que tinha feito. Ela o olhou com uma expressão bastante surpresa, mas logo após aliviou-se como se tivesse tirado um grande peso das costas.

-Ah! Eu não acredito! Tu num sabe como eu fiquei agoniada quando fui ler! Eu achei que tivesse sido engano, sabe? Aí quando terminei de ler, me bateu uma culpa... comecei a pensar "ai meu Deus, eu não deveria ter lido! Com certeza foi engano, foi engano, ele não queria mandar isso pra mim, e agora eu li, aaah!" Eu mostrei pro seu pai, ele constatou que era realmente você. Aí... é isso, filho. Achei que não devesse ter lido, aí fiquei cheia de dedos pra te perguntar!

"Cheia de dedos". Essa expressão chamava bastante a atenção dele. Na verdade, a notara realmente num anúncio publicitário (como são presentes em nossas vidas!) de sandálias, e desde então vinha reparando.

Bom, uma vez dito aquilo, não podia fazer nada além de rir. Abriu um sorrisão envergonhado, se é possível. Jamais esperara causar um susto na mãe. Apesar de que tais reações aperriadas dela eram muito comuns; quantas vezes não o perguntara se tinha algum trauma de infância?! O que realmente queria era que ela se indagasse quem era o tal escritor, e não descobrisse logo de cara. Ela depois disse algo que, dessa vez sim, era de expectativa dele:

-E depois você me diz que não sabe escrever redação, hein!
-Uma coisa é dissertação, mainha. Dissertação não prova que você sabe escrever, é só um molde no qual você tem que se apropriar - parafraseou a tia, professora de Redação.

Depois do ocorrido, foi dar mais uma olhada no texto escrito por ele no computador. Como fora estúpido! Estava todo ele estampado lá, realmente! As definições dadas das pessoas, os locais da casa, tudo denunciava o fato de ser ele. Nunca poderiam não perceber.

Hoje mesmo recebeu uma mensagem de uma amiga:
'Depois do susto, constatei que meu filho é um grande escritor!'

Além de mãe assustada e aperriada, é mãe coruja. Vai ver fosse inevitável ela perceber o autor. Vai ver que não.

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